364 - SINFONIA DE MEMÓRIAS : DAS TERRAS DE ENGENHOS À LIBERDADE

Sinfonia de Memórias: Das Terras de Engenho à Liberdade

Nasci em terras de engenhos, numa Quarta-Feira de Cinzas,

No alto da estação, onde o trem apitava, início da minha história.

Foi lá que encontrei meus primeiros amigos de infância,

Compartilhando risos e brincadeiras sob o sol nordestino, em sua glória.

O apito do trem, o aroma doce da cana,

Rostos sorridentes, pés descalços na grama.

Eram dias de alegria pura, sem pressa,

Desenhando nossa infância em cada riso, em cada promessa.

Tenho boas recordações da mercearia do Sr. Euclides,

Com suas prateleiras recheadas de doces encantos,

E do cacimbão do Sr. Manoel Varela,

Onde buscávamos a água cristalina que refrescava nossas manhãs.

A cantina do meu pai, Sr. Manoel Rodrigues,

A quem bendigo, com mil cantigas e preces amigas.

Era próxima à casa do querido Sr. Paizinho,

Lembro e digo: a saudade me pega de mansinho.

O caldo de cana e o pão doce, que doçura atraía,

Abelhas arapuás vinham, em doce melodia.

Na entrada da cantina, um amuleto se via,

Um chifre de boi, pendurado com maestria

Não posso esquecer o Sr. Luiz, chefe da estação,

Com seu olhar sereno e sorriso acolhedor,

E seu filho Luizinho, menino querido por todos.

Éramos crianças, mas tão unidos que diziam sermos namorados,

Partilhando segredos e sonhos em meio ao movimento do trem.

Lembro também do professor particular Sr. Joaquim

E sua terrível palmatória, que me bloqueou com os números,

Transformando a aritmética em uma dança de medo e rigor.

Mais tarde, meus pais adquiriram um sítio nos arredores da cidade,

E nos mudamos, deixando para trás a estação, nossa antiga morada.

Meu pai deixou suas marcas como organizador das festas no local,

Responsável pelas festas de São Sebastião, com fervor especial.

Ele cuidava dos pastoris com cordões vermelho e azul,

As Dianas, as ciganas, em quadras que brilhavam ao luar.

"Meu São José, dá-nos licença para o pastoril brincar...

Cigana do Egito que vem à cabana, sou eu a ciganinha de Jerusalém..."

Eram festanças nos terreiros das casas, a alegria era imensurável,

Preenchendo a comunidade com tradição e união adorável.

Momentos de celebração, danças e risos compartilhados,

A simplicidade guardava uma riqueza de amor e laços formados.

Essas festividades sempre contavam com a colaboração,

De Zuleide, filha de Iraci Gomes, e outros moradores em ação.

Memórias gravadas em minha mente, lembranças de felicidade,

Onde a vida pulsava com alegria e vibrante comunidade.

No bairro de Areia Branca, onde agora me encontrava,

Vivendo entre as artesãs do barro e as beijuzeiras,

Quase todas da família de D. Elina Evangelista,

A água que bebíamos, do rio da Gruta, era transportada.

Em barris nas costas da nossa jumenta, a água vinha,

A mesma que nos levava em caçuás, era nossa guia,

Para a Escola Guiomar de Vasconcelos, nossa sina,

Uma aventura, até que a jumenta tropeçou um dia.

Nos trilhos da linha de trem, nos jogando ao chão,

Os dias passavam como uma melodia suave,

Com risos e cantigas, no ar a ressoar, então,

Cada manhã uma sinfonia de sons, tão grave.

O murmúrio da água fresca no cacimbão,

Tilintar das ferramentas, artesãs em ação,

E o canto alegre das crianças na imensidão,

Naquelas terras, o sol nordestino, pura emoção.

Cada momento uma nota perfeita na partitura,

Da minha infância, cheia de aventuras e ternura,

Sob o brilho intenso do sol, pura candura,

Onde cada dia era uma rima, em suave mistura.

Foi então que minha mãe decidiu nos matricular em escolas mais próximas,

Alguns foram para a Escola José de Albuquerque Maranhão, em manhãs auspiciosas,

Outros seguiram para a escola particular da professora D. Hilda, em seus cuidados.

Concluí o Jardim I e II, com alegrias e risos partilhados.

Depois fui para a Escola José de Albuquerque Maranhão, num novo ciclo a começar,

Recebida pela professora Ana Martins, com seu jeito acolhedor e singular.

Segui para a segunda classe com Salete Martins, que o aprendizado encantava,

E finalizei meu primário com a professora Raquel, cuja sabedoria nos guiava.

Enquanto no primário, numa festa junina, aconteceu meu primeiro beijo,

Eu tinha apenas 10 anos, e um garoto loiro, de olhos azuis, trouxe ensejo.

Filho de uma família tradicional, na Lagoa de São João,

Aquele momento doce marcou meu coração.

...E os anos se passam...

Agora, aluna do Ginásio Municipal José Carvalho e Silva,

Após a obrigatória prova admissional, enfrentava uma nova trilha.

Naqueles anos, a maioria dos professores era de Natal,

Viajavam todos os dias letivos, num ritmo matinal.

Recordo com carinho o professor Morais, de português, seu canto suave ecoava,

Dos poucos que moravam na cidade, Dr. Júlio, o médico, sempre me animava,

Chamava-me de Sophia Loren, com um sorriso amável,

Dr. Zé Martins, com sua aula de sexologia, era memorável,

Utilizava a simbologia da flor, suas palavras em rima pura e incontestável.

Também me lembro de Samuel Mandu, o mestre de Educação Física,

Suas aulas eram sinfonias de movimento, uma dança artística.

E Ném Vieira, professora de Educação Artística,

Pintava com palavras e gestos, transformando a sala em cena lírica.

Houve um período em que, devido à distância entre minha casa e a escola,

Morei na residência do pároco da cidade, Padre José Zilmar, e sua mãe, Dona Mafalda.

Eu era incumbida de buscar todas as manhãs as hóstias na padaria do Sr. Kerginaldo Teixeira,

Sentia a brisa suave do amanhecer e os primeiros raios de sol iluminando a passarela.

O aroma do pão fresco da padaria do Sr. Kerginaldo misturava-se com o ar puro,

Criando uma sinfonia de cheiros que aquecia o coração com ternura.

Todas as tardes, ia espiar a maré no centro da cidade,

Junto com a filha de um pescador, cujo nome escapa à minha memória.

Eram aventuras de descobertas e risadas, com nossas botas enormes,

Pareciam ter vida própria, afundando na lama, em busca de pequenos tesouros.

A maré trazia consigo histórias e mistérios, e, com minha amiga,

Cada dia era uma nova canção de liberdade e alegria, uma dança natural, uma sinfonia.

Aos 14 anos, meu coração foi cativado,

Por um jovem estudante de mecânica, tão afeiçoado.

Foi um namoro lindo, de inocente pureza,

Guardado com carinho, como uma doce riqueza.

Outros amores vieram, laços foram desfeitos,

Mas aquele amor primeiro, com encantos perfeitos,

Permanece na memória, com especial estima,

Uma lembrança terna, que meu coração sublima.

Tão doce e singelo, aquele amor juvenil,

Marcou minha vida, como um encanto sutil.

Cada riso e cada olhar, guardados com emoção,

Ecoam como melodia, na sinfonia do meu coração.

Embora o tempo passe e a vida nos transforme,

O primeiro amor, com seu brilho, nos conforma.

Eterno em lembranças, no peito sempre a brilhar,

Como um poema de amor, que nunca irá se apagar.

O sítio em que morávamos era enorme e bem cuidado,

Com festas de várias proporções, convidativo e animado.

Meu pai, de bom coração, a todos acolhia sem distinção,

Cada fim de semana, o lugar era pura celebração.

Ah! O coreto, marco histórico da cidade,

Que "o desenvolvimento" destruiu com voracidade.

Sinto saudades dos sobrados ao redor da praça,

Nos dias de feira, o jipe de Antônio de Doca era uma graça.

Nos dias de feira, a rural de Damásio era destaque,

O cheiro de peixe fresco pelo ar se espalhava,

Dentro do mercado público, a vida fervilhava,

Misturando-se ao aroma da farinha torradinha, que tanto se amava.

No alto do mercado, entre uma música e outra,

Anunciava promoções e eventos da cidade.

Dos quiosques dentro do mercado, lembro do Sr. João Alves,

Onde meu pai fazia compras em grosso, sempre com bondade.

O Sr. Zé Batista, com seu caldo de cana delicioso,

E a barraca de D. Miriam, com pratos apetitosos,

Esses lugares são memórias que guardo com carinho,

Parte de uma infância feliz, cheia de momentos preciosos.

As memórias desses tempos são como melodias que ecoam na minha mente,

Trazendo à tona tudo o que ali vivemos, em cores tão vivas, presentes.

O coreto, com suas linhas melódicas, testemunhou momentos inesquecíveis,

Assim como os encontros na praça e as brincadeiras na feira, tão sensíveis.

Tudo isso compõe a sinfonia da minha infância e juventude, onde cada nota ressoa,

Com amor, alegria e saudade, que em meu coração sempre ecoa.

Apesar da minha menor idade, sentia a alegria das irmãs mais velhas,

Que iam aos bailes às escondidas do papai, com suas roupas tão belas.

Naqueles tempos, havia diversos blocos carnavalescos a dançar,

Incluindo o de índios, organizado pelo Sr. Zé Wilson, a alegrar.

Os bailes aconteciam no clube municipal ou no ginásio vibrante,

Onde a cidade era bem frequentada e tão cativante.

Havia também o "Cine Luzitana", nosso cinema local querido,

E as discotecas de Chiquinho, de Dindô, e de Anízio, com ritmo incontido,

Estes dois últimos no bairro Areia Branca, onde a vida pulsava,

Época em que alunos de cidades vizinhas para estudar chegavam.

A cidade, então, era um cenário de alegria e festa constante,

Onde cada momento vivido se tornava uma lembrança marcante.

E assim, entre risos, músicas e cores, cresci com tanta emoção,

Guardando para sempre essas melodias em meu coração.

Aos 17 anos, deixei minha terra natal,

Fugindo das rédeas, buscando um ideal.

Sonhava em ingressar na Marinha bravia,

Mas esse sonho, por alguém, se esvaía.

Quem seria meu futuro marido,

Interrompeu meu sonho tão querido.

Não aceitava minha ida ao Rio de Janeiro,

E assim, aceitei um destino alheio e traiçoeiro.

Escapei das rédeas curtas de meu pai,

Mas outras, no casamento, a vida me trazia.

Por 22 anos, essas rédeas aceitei,

Até que a liberdade, enfim, alcancei

Foram necessários todos esses anos,

Para viver minha vida sob novos planos.

Conduzir minha vida sob minhas próprias rédeas,

Foi a conquista mais doce, entre tantas ideias.

Ao refletir sobre minha jornada, percebo quão rica e vibrante

foi minha infância e juventude.

Histórias de amigos, familiares e vizinhos, festas, estudos e aventuras

são fragmentos de vida em plenitude.

Cada desvio e sacrifício moldaram quem sou,

com sonhos e rebeldias que à conformidade se entregou.

A juventude deu lugar a anos de sacrifício,

Em nome da família, aceitei tal artifício.

Após anos de casamento, alcancei a liberdade,

aprendendo que independência é tomar as rédeas, sem vaidade.

A verdadeira liberdade não vem da fuga ou rebeldia,

mas da capacidade de viver de acordo com a própria filosofia.

Hoje celebro a autonomia, grata pelo passado vivido,

esperançosa pelo futuro, com as rédeas do destino bem conduzido.

Essas experiências moldaram quem sou,

grata pelas raízes e pelo caminho que trilhado vou.

Continuo a celebrar a vida, agora como poetisa,

carregando memórias de um tempo que, embora passado, eternamente viva.

Neide Rodrigues, do esboço poesia, 358 -Fragmentos da memória

Neide Rodrigues 11/06/2024

NeideRodriguesPoetisaPotiguar
Enviado por NeideRodriguesPoetisaPotiguar em 18/06/2024
Código do texto: T8088555
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