PARA UMA SEVERINA QUE JÁ MORREU

E então eu me debrucei sobre aquela vida já ida.

Meu Deus, que vida!

Muitos filhos, muitos perdidos, uns para a morte outros para a vida mesmo, e a

dor das perdas doendo até o último suspiro.

E as lutas, inglórias todas elas, venceu todas e esbanjou sorrisos ao longo

daquela batalha toda.

Vestiu, calçou, alimentou e acarinhou a si mesma, aos filhos, à tristeza, à

desilusão.

Com toda certeza engoliu cobras e lagartos, porque sapo é para os fracos, e

Severina era forte.

Severina era nordestina, filha da terra e do sol.

Andou descalça, pisou barro, vestiu toda a formosura do mundo, dançou

princesa nos forrós e abraçou o amor.

Ah, o amor! Esse moço bonito e enganador!

Enganou Severina também.

Foi-se.

E Severina ficou ali, olhando a porta aberta sem vultos e a vida cheia de frutos.

Mas Severina era de luta.

E lutou.

Severina lavou, passou, costurou, cozinhou pra si mesma, para os filhos e para

quem mais pagasse.

Não bem, apenas pagasse

Talvez o preço do lenço pra enxugar o suor e a lágrima.

E aí, um dia, do nada, quando Severina já nem lembrava mais, o fugitivo voltou.

Talvez fugindo de outros abraços.

Mas Severina tinha memória curta, já tinha esquecido, perdoou e abraçou, de

novo, aquele mesmo amor.

Dessa vez ele não fugiu, e Severina lhe fechou os olhos num adeus que

ninguém sabe quem deu.

Nunca mais Severina abraçou amor, nunca mais Severina dançou forró.

Mas continuou sorriso.

Severina tinha sorriso guardado, estocado, farto.

E o tempo passou, dividido em lutas e sorrisos e Severina embranqueceu, ficou

toda neve nos cabelos.

E assim, embranquecida, Severina sentava na beira da praia e espichava o

olhar, os braços e o beiço, e assim que uma saudade passava, ela abraçava e

beijava, muito, muito, muito.

Um dia Severina notou que o baú das perdas estava lotado, lotado demais, lotadinho mesmo.

Não conseguiu sorrir nesse dia. Preferiu partir.

E partiu.

Adeus Severina, vá brilhar lá no céu e sorrir para Deus!

Tem ainda muito amor aqui na terra por você, não daquele amor que

abandona, mas daquele que rola lágrima de saudade!

Isabel Viviane - 31/03/2019

Isabel Damasceno
Enviado por Isabel Damasceno em 02/09/2022
Reeditado em 02/09/2022
Código do texto: T7596967
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.