Beleza do escritor: no corpo e na alma

Em gestos e ideias, aparência e impressão, sentimento e em gestos e ideias, aparência e impressão, sentimento e pensamento.

Contém 19 estrofes.

Linha de pensamento:

Invejar um grande vulto é seguir um bom exemplo.

Texto concebido com a ideia de (eu) imitar os escritores que admiro ou que imaginei; em alguma estrofe, já sou eu mesmo com uma "vaidade de quem pratica a arte de escrever”.

1) Escrever

Escrever é muito bom,

é processo trabalhoso;

mas a Arte diz o tom

do que é mais proveitoso;

e mesmo quem não tem dom,

acha-se um pouco famoso.

2) Imagem, roupagem

Acho bonito o escritor,

que, com a mão, desliza a pena,

em folha grande ou pequena,

onde escreve com primor.

Pensativo ou pensador,

contempla a Sabedoria.

Imito a sua mania

de andar com uma caneta

(ou lápis) e caderneta,

rabiscando uma poesia.

3) Hora marcada

É bonito o seu vagar —

sentado em uma cadeira,

pegando na algibeira

seu relógio, e marcar

o momento de parar

a escrita de um romance —

por temer que a Hora avance

e ele chegue atrasado

ao baile que foi marcado,

sem achar mais com quem dance.

4) Boa impressão

Dançar sozinho, acho feio.

Mas, no caso do escritor,

"invento que é um 'ator',

encenando ali, no meio:

que, em passes de devaneio,

no salão, vai se encontrar

com a dama que vai chegar;

em romance, está pensando...

e a moça, quase chegando,

antes do show começar".

5) Águia de livraria

Ao entrar na livraria,

é águia junto à estante.

Junto à mesa circulante,

não quer uma companhia!

Puxa a cadeira vazia

e vai se sentar sozinho.

Não quer saber de vizinho

que gosta de conversar

porque pode atrapalhar

seu voo que lhe abre caminho.

6) Peixe de aquário

Mexendo na escrivaninha,

muda o quarto e o cenário!

Como peixe, no aquário,

não escuta campainha,

não sabe onde é a cozinha

(nem se lembra de comer).

Sua água de beber

vem de caneta e tinteiro;

e o alimento caseiro

é o tema que escrever.

7) Traços intelectuais

O escritor não precisa

sempre estar meditativo.

Importa ser criativo,

conhecer o que analisa;

saber fazer a divisa

entre o errado e o certo;

deixar o tema em aberto

— na hora do arremate —,

suscitando o bom debate

por quem o lê mais de perto.

8) Usando a caneta

A caneta que escreve

é, do corpo, uma extensão:

reproduz opinião

ou carta que alguém leve...

A sua tinta não deve

servir para um malfeitor.

Logo, quem for escritor

sinta amor pela caneta

e, com mesma, não cometa

ato feio ou sem valor.

9) Dando vazão aos papéis

Escrevo por compulsão,

pois não consigo barrar

a enchente de uma vazão

que chega sem me avisar.

Tanto papel enche a mão

que é preciso esvaziar:

em verso, prosa ou canção,

eu tenho de transformar.

10) TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo)

Meu "transtorno" de escrever

é "compulsivo", constante.

Mas também é estimulante

que me "toca" e dá prazer.

Gosto de ter e fazer

uma base construtiva

com uma via alternativa

que, aos outros, também agrade.

Essa "obsessividade"

é fase contributiva!

11) Inveja virtuosa

Invejo o grande escritor,

querendo ser o que ele é.

"Inveja de boa-fé

suscita digno valor."

Até um grande cantor

imita outro, famoso.

Eu, como bom invejoso,

assim também me engrandeço

ou, pelo menos, pareço

um aprendiz virtuoso.

12) Estilo e assunto

Aprendi a escrever

de um jeito que acho bonito

e a cada dia, exercito

o que estou a conceber.

Antes procuro escolher

um assunto que domine

ou, se não, que alguém me ensine;

dou forma com um novo estilo;

toco, retoco, burilo,

para que abaixo, eu assine.

13) Autoria responsável

Então assumo a autoria

com responsabilidade.

"Autor e autoridade"

guardam esta parceria:

com a própria ideologia,

que, para uns, é viável;

para outros, condenável;

e sobre a qual, ele opina,

tem mais moral quando assina

como autor, mas, responsável.

14) foi excluída pelo autor

15) Estado unido

Escritor, eu te imito

“como Bilac, ao ourives”¹

por esse estado em que vives

sempre unido ao teu escrito.

Chegas a ficar aflito —

enquanto estou corrigindo

teu livro, que está "saindo"³

com base, fontes, doutrinas

sobre o tema que dominas

e ainda estás concluindo...

Nota:

¹ Alusão à estrofe do poema Profissão de fé, Olavo Bilac:

“.................................................

Invejo o ourives quando escrevo:

Imito o amor

Com que ele, em ouro, o alto relevo

Faz de uma flor.

................................................."

² saindo: ficando pronto.

16) Quinteto

Escritor e revisor,

poeta, ourives e flor —

todos juntos no Amor

pela arte de escrever.

Neste momento, eu prometo

ser parte desse quinteto

para o qual eu me remeto

sem nunca me arrepender.

17) Imortais

Escritores atravessam

muitas vidas, gerações,

com as suas cogitações

que, aos homens, interessam.

Produtivos, não se apressam,

criativos ou viris.

Retumbantes ou sutis,

são por um tempo esquecidos

mas, tempo depois, são lidos

por leitores juvenis.

18) Abstração e metafísica

A beleza do escritor,

a mais pura ou mais inata,

é metafísica, abstrata,

qual seja a de um criador,

músico ou compositor

com a sua alma inspirada.

Pode vir do muito ou nada

e "enfeitar"* quase tudo:

vergel¹, vergôntea² e veludo,

Ipiranga³ e Pátria Amada**...

Notas:

*Enfeitar com a caneta, escrevendo sobre os tópicos.

¹Vergel: 1) terreno onde se cultiva árvore frutífera e planta ornamental; 2) jardim, horto. Do latim: “verde”.

²Vergôntea: 1) ramo da videira. 2) ramo fino de árvore ou arbusto; rebento, broto. 3) figurado: filho, descendente, prole. 4) peça de madeira, própria para se fazer mastro, verga etc. Do latim: “moita de varas, rebento”.

³Riacho Ipiranga, em São Paulo.

**Brasil.

19) “Livro que fala”

Cada escritor erudito

“é um ótimo livro que fala”,

quando a sua voz propala

ensino que já foi dito.

Interpreta sem dar grito

Bíblia, mitos, contos, fadas...

traz novas versões criadas,

reproduzindo as antigas.

E assim vai mantendo as ligas

com “as conversas passadas”.