Desvanecida linha azul

Para Anne Tyler.

Você mentiu para mim, Anne.

Confiei em você

como o dia confia no sol

para romper o véu da noite,

como o capitão confia no faroleiro

do atol solitário,

confiei como a gaivota no alto do mastro

mira seu mergulho faminto e suicida;

o que recebi?

Traminhas e dramins.

Você mentiu para mim, Anne.

Disse que a vida pode ser muita coisa

(isso eu já sabia) e depois trouxe vidas

iguais a de qualquer cachorro molambento

de Tortuga (estou cansado de catar pulgas).

A banca policial e a matilha do Politzer

podem ser espertas e de discernimento

intelectual elevado,

mas eu não sou otário, Anne, não mesmo

e minha mãe não gestou nenhum otário:

sabes o que escreveu e eu sei o que li.

Você disse que entregaria angústias,

tragédias, emoções traídas,

flagelos cotidianos mais alarmados

que o soar das sete trombetas

e o que recebi?

Nada além de draminhas e dramins.

No fim das contas o longo e atribulado

carretel de linha azul

era um carretel como qualquer outro

até menos que qualquer outro,

e o que restou foi um emaranhado

de linha desvanecida sob meu vômito

e sua face vista em nuances atordoados

na batalha de suas mentiras

entre dia e noite.

Grouchesco
Enviado por Grouchesco em 14/02/2020
Reeditado em 14/02/2020
Código do texto: T6865732
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