A um poeta morto
A Ilmar Medina.
Escrevo essa catarse porque, no fundo,
não aguentei esperar que meu silêncio
me ajudasse de algum modo.
Fiquei um tempo,
bom tempo, afastado do Recanto
e você ousou sair de cena
e deixar as cortinas entreabertas.
Eu conheço quase todas as lamúrias legadas
por um óbito repentino e doloroso
e, mesmo que usasse todas,
nenhuma chegaria perto do meu estupor
ao saber de sua partida.
Que porra de vida é essa, meu velho,
é só dolo e perfídia
e ilusão de permanência?
Vou fazer aqui uma confissão
(sem medo de que soe piegas ou
sentimentaloide):
ao saber de sua passagem,
quis fechar minha escrivaninha.
Me senti abandonado, traído no jogo
em que institui meus próprios termos
e jamais poderia ser derrotado,
me senti traído como o aleijado
que vê suas muletas correrem
e sorrir sem olhar para trás,
me senti abandonado pelo amigo
que, de fato, nem cheguei a ser/ter.
Barbarruiva, um amigo poeta,
diz que "não há amizade entre escritores,
há vigilância: se um escreve coisa boa,
o outro odeia em segredo
e assim seguem amparados por respeito
e ânsia de subir a montanha
enquanto o rival enreda o próximo verso",
concordo e discordo e fico triste
por não poder haver mais isto entre nós.
É isso que a morte faz:
tira a validade dos perdões concedidos
e, mais ainda, dos perdões negados;
tira a validade imposta pela fúria cega
em meio a doestos e refregas.
Brigamos, nos ofendemos,
nos perdoamos.
Discordamos, concordamos,
excluímos os textos,
traímos palavras dadas e voltamos à elas
outra vez,
retiramos nossas posições e de que vale
tudo isso agora,
já que você não está aqui para o abraço
ou aceno ainda que virtual,
ou para uma nova troca de farpas
e ofensas cruéis?
Por enquanto chega, né?
Você precisa descansar,
logo nos falaremos
e nos veremos de novo, Bigodão,
já que você foi primeiro
a confirmar a face tácita
da mais humana das certezas.
Quanto a cervejinha que nos prometemos,
deixa comigo,
assim que chegar em Salvador,
com os pés em solo sagrado,
vou pedir uma e dois copos.
O seu, jogo para cima depois de cheio
e o meu beberei num brinde
de reverência e apreço,
até mais poeta.
OBS.: O primeiro texto que li no RL foi "Soltando os cachorros", artigo em que Ilmar apontava a canalhice de alguns escribas e cuja leitura me arrancou gargalhadas e me levou aos sonetos magistrais de Jacó Filho (O maior poeta do RL). A escrivaninha de Ilmar ainda está ativa, visitem, leiam e aproveitem, como eu, o prazer de ler textos muitíssimos bem elaborados, escritos com fervor e paixão. Tivemos diferenças extra-literárias e que agora nem vale relembrar, mas aqui fica meu respeito a um cara franco e apaixonado pela palavra.