Eu gostaria de conhecer Nancy McCallum
Hoje não é um bom dia para escutar o filho
de Nancy.
Dia cinzento, e pior: domingo silencioso.
O calendário indica dia das Mães.
Se o escutasse hoje,
filho sem mãe,
na miséria e frangalhos em que se encontra
meu espírito,
perderia meu bilhete e a aposta no azarão
seria mais sofrida que jogar fora o dinheiro
que nunca tive.
A bem da verdade, escutar o filho de Nancy
é uma aventura arriscada qualquer que seja o dia.
Pastar no campo da dor,
saber que a solidão não é uma fase
não amplia minhas reflexões
e se eu chorar, escutarei:
ajoelhe-se garoto, é hora de rezar.
Meu bonde, meu trem lotado,
é toda uma geração (o que sobrou dela?)
que cresceu agarrada à barra da saia de Nancy.
Quem soltou não foi longe o bastante
para esquecer que não poderia
cortar o cordão umbilical.
Então, depois de escaparmos com o pouco
que a sorte esqueceu nas calçadas
e não se perdeu na chuva, sentamos
na praça e esperamos o dia amanhecer,
só amanhecer,
e Nancy, acossada por um contador,
foi em busca do filho.
Policiais disseram: eu não faria isso.
E ela seguiu. Outros tentaram impedir,
ela seguiu.
O encontrou
sentado no sofá, com a tevê ligada
o videogame ligado num jogo
que não teve tempo de nos ensinar a jogar.
Ele, que tinha 1,80cm, pesava 39kg.
A face, decomposta além da máscara
que a eternidade cobra por ingresso,
ainda era doce.
Ela o abraçou, disse alguma coisa
em seu ouvido putrefato e surdo
e ficou lá sentada um bom tempo,
chorou, chorou e chorou
depois pediu perdão por não estar com ele
em sua Hora mais escura, por ter prometido
estar perto na hora em que acontecesse.
Chorou mais uma vez.
Você está perdoada Nancy.
Nós é que não nos perdoamos
por não estarmos com ele naquele sofá.