Por que Layne Staley começou a berrar enquanto eu estava molhado atrás das orelhas?

Porque seu pai deu o fora

antes do sol anunciar a decadência,

deixou sua mãe com filhos

lágrimas e aluguel atrasado.

Por que foi assim

que, antes dos 17,

da barba e depois

de muito se esconder no fundo

da sala de aula,

descobriu que era muito grande

para o escaninho,

saiu e pegou o microfone.

Alguns anos depois seu pai escutou

seus berros e apareceu.

Antes que o calor do abraço

aplacasse a dor da falta

e extinguisse

a lacuna da paternidade fugidia,

a colher estava quente

a agulha afiada

e a borracha sórdida

apertava o braço

e expunha as veias:

picos fustigariam suas almas.

Ele continuou a berrar.

As agulhas continuaram

afiadas e as colheres quentes.

Seu pai ficou o suficiente

a saber que estavam perdidos

(o seu e todos os filhos

daquela geração),

depois saiu pela mesma porta

sob o sol

que ainda não tinha nascido

na manhã de nunca-mais.

Ele continuou a berrar,

agora mais solitário

que meu cacto

no meio do deserto.

Aqueles berros se afinaram

graves, suaves, agudos,

graves, suaves, agudos

se harmonizaram

e tornaram canto

mil lamentos.

Cantava: pai, pai

estou de joelhos,

comecei a rezar,

volte, por favor.

Porém seu pai

andou pelas estradas

com o polegar em riste

cada dia mais distante

das tardes cinzentas.

Não escutava e seguia,

estradeiro destituído

de esperança,

rumo ao fim que todos

buscam com o devaneio

de paz e recomeço.

Então ele parou de berrar.

Parou de cantar.

Sentou no sofá cansado

e sem dentes

à espera de sua mãe,

mas ela chegou tarde

como toda luz

no cerne da treva espessa

(à essa hora eu já estava enxuto atrás das orelhas).

Grouchesco
Enviado por Grouchesco em 01/10/2019
Código do texto: T6758803
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