EM MEIOS AOS TANQUES…

…Aspiro por coerência

Como inspiro todo o ar rarefeito.

Me falta oxigênio

Para tantas atrocidades.

Não consigo mais

Olhar, resfolegar e não chorar.

Um homem passa soberbo

Protegido no seu blindado

A acreditar se assegurar do caos.

São os tanques cegos

E blindados de si mesmos

Pelas grandes vias

Sem saída.

Anestesio toda a lógica

Que me insiste pulsar.

Dói muito entender.

Rasgo as provas, as provações e os títulos

Que em meio aos tanques

Já não servem para nada.

Na esquina

Outro homem nú de tudo

Dispensa blindagens e

Diz ser artista.

Artista do desespero.

Vejo seus ossos

Saltarem por suas fomes

Como saltimbancos das vidas

Dos circos mambembes encenados

Abaixo das tantas tendas

Que não deram certo.

A criança, então, sai dos escombros

e me olha

Assustada,

Com raiva e clemência nos olhos.

Sinto como um misto de ingenuidade

E rancor.

Reconheço sua fragilidade.

Ela é a mesma criança que ainda sou.

Ela não sabe

Que não tenho culpa

Por não constar

Na lista dos que dão lucros

Certos e garantidos.

Dei mais sorte, só isso.

Ela nunca saberá de mim

E parece me culpar

Por não ter a consciência de si

Espelhada em quem a observa.

Mesmo assim…

Tento nos desculpar com os olhos

Das exclamações.

Interrogações já não interessam mais.

Na porta do supermercado

Um pequenino me solicita

Um Danone.

Recém chegado e já sabe das coisas...

Danone parece ser marca

Das essências prometidas…

Em meio aos tanques

Do tudo o mais em falta.

Um “cala a boca aos estômagos”

Em meio aos tanques de fomes…

Silenciosas e não rastreadas.

Tudo propositalmente.

Meu Deus, um Danone é tão pouco!

E meu coração sabe que nada

Mais é suficiente.

Ligo o rádio.

Ouço mais um tanque

A passar no discurso pobre

de ontem.

Depois ouço “Índios”

Do Renato Russo.

Foi ontem e já é ainda hoje.

A poesia me soa

Um tanque abençoado

Que trucida a insensatez dos tempos

Que nunca mudam.

"Muitos discutem tudo

Ninguém resolve nada":

Penso com meus botões desabotoados.

É sempre o fatídico tanque:

O dos eternos e mesmos diagnósticos

Sem soluções.

-É preciso desabotoar a alma!

Enquanto isso

Um ancião claudica

E cai na calçada.

“não viu o buraco, velho?”

Questão duma vírgula

E ele entenderia

Que a tal velhice não é dele.

Em meio a tanta claridade nublada,

Busco as luzes

da coerência, da lógica

Da sensatez!

Grito a elas

Mas nenhuma delas me dá audição.

Não há tanque pior

Do que a repressão

De não se poder gritar

pelo direito de se ser quem se é.

A simples clarividência simples

Em meio a todos os tanques obscuros

Que nos pisoteiam

As liberdades de se existir.

Deito ao meio fio das guerras

e adormeço...

A espera dum novo tanque

Que me faça despertar

Em mais um verso tolo.

Só mais um tanque…ao léu

De certa poesia simplória.

Um grito mudo, desoxigenado

Sem mitos, sem destino e sem glórias.

Um último tanque decantado...

Sem nenhum interlocutor

Disposto a só despertar do caos

Para tão heroicamente dele emergir.

(aos tanques do mundo)