VALE DE LÁGRIMAS
Quando a noite caiu
Já era tarde demais.
Sequer lhe houve tempo
De olhar a si mesma
E reconhecer suas duras digitais.
Caiu em pleno dia aceso
Sob um sol que ardia forte e míope,
Sob o vale amortecido
Empoeirado e seco
Alheio às tantas labaredas dos homens.
Não se ouvia um pio...
Porque quando a noite cai
Há que se ter tempo para o silêncio que chora.
Quando a noite caiu
Desceu cega pela frente do caos
Qual avalanche da inconsciência que desce
Pela sazonalidade atemporal e perene dos sentidos.
Quando a noite caiu
Se desenhou nos meandros do todo
A abrir crateras aos vãos dos precipícios amontoados.
A noite que caiu,
Caiu em mosaico:
Tinha cor ocre da terra
Em meio à cor ferrugem
Do tudo que jaz oxidado.
Quando a noite caiu
Correu sem destino certo
Como o todo que nasce sem propósito de ser.
Caiu e correu a esmo
Rumo ao rio que vertia vida corrente,
A arrastar todo o perplexo silêncio consigo
A fazer tremer toda montanha majestosa
Em franco movimento empedernido.
Pedras rolaram assustadas
Quando a noite caiu lá de cima
Depois de roçar
Um céu de nuvens pesadas
Cumulonimbus das insanidades.
Pedras nunca vertem lágrimas
Porque não aprenderam a chorar.
Mas aprenderam erroneamente
Que só se sobrevive na dureza da matéria.
Porque quando a noite caiu
Ouvi que pedras choraram
Atônitas,
Lágrimas escarlates
Em mudos e urgentes gritos de ordem de vida!
Como se vidas lhes soprassem
Só para que resgatassem seus medos fossilizados.
Até para se morrer há que se pagar o preço
De toda insana dor inaudível
À pungência invisível dos tempos que açoitam.
Sei que ouviu-se um débil grito de socorro,
Porque é impossível não se saber!
Era só mais uma flor do vale
Que sem luz e sem fôlego
Ecoava seu pranto de pétala machucada
Atolada na lava embrutecida.
A noite então seguiu seu rumo
A se perder de vista, bem lá longe
Sem saber que fora programada
A sempre cair nos próximos horizontes
Que esqueceram o que é ser só clara alvorada.
A noite se fez destino
Qual o do fosco rio assoreado
Cujos meandros anárquicos
Mesclaram-se a todos os demais destinos.
A noite, enlameada de si mesma
Desceu a montanha correndo do todo
E de olhos sempre fechados
Dobrou a esquina sem sóis do nunca
A se perder na multidão.
Quando se olhou
Toda escura...
A noite já não era só ela.
Era um só corpo irreconhecível, transfigurado.
Todos soterrados:
A noite e seus propósitos...
No mesmo vale de lágrimas
Árido de compaixão
E despido de qualquer vida crível.
Nota da autora: Quando a poesia nos soa já não mais somos donos dos versos.
Em expressão do profundo sentimento em mim brotado pelo todo do nosso "vale".