A Mulher Oriental
A MULHER ORIENTAL
Miguel Carqueija
Eu venho do Oriente,
e o meu olho é repuxado;
meu semblante é diferente
e o meu país é sagrado!
Tenho o mistério na veia,
numa história milenar;
mas posso enredar na teia,
te fazer apaixonar!
Cuidado com meu olhar
que penetra em sua alma;
ao homem sei dominar
e tê-lo na minha palma!
Mas não uso para o mal
este místico poder:
neste mundo é natural
que eu saiba me defender!
Na dança sou sinuosa
movendo os braços qual cobra;
e com roupa vaporosa
o meu corpo se desdobra!
Sacha Distel já cantou
na “Canção oriental”
esse mistério que eu sou,
um mistério bem real!
Respeita a minha origem
que somos todos irmãos:
pra trás ficou a fuligem,
da História seus desvãos!
Hoje nós nos conhecemos,
não queremos preconceito;
que por Deus nós nos amemos,
pra ter um mundo perfeito!
Carrego o sabor do vento
que fala em velhas feridas,
de um grande amor o lamento,
civilizações perdidas;
tantas guerras fratricidas,
pouco caso com a mulher,
revoluções homicidas,
um salve-se quem puder.
Mas em meio a tudo isso
ancestral sabedoria,
uma estirpe que tem viço,
que não cai na anarquia!
E eu com místico olhar
venho desta imensidão,
que não se pode abarcar
com a imaginação!
Meus enfeites simbolizam
meu misterioso eu;
e os meus olhos cativam,
eu posso torná-lo meu.
Meus dedos têm expressão
e a minha voz é marcante;
eu venho da imensidão,
daquela Ásia distante,
do horizonte perdido,
dos planaltos da Mongólia,
do Butão tão escondido,
dos desertos da Anatólia.
Se quer me compreender
e me aceitar como sou
venha me conhecer
se teu coração me amou!
(26/3/2017)
ENTRE AS FLORES E O MONTE FUJI
Lydiene Marien
Sendo, um pequeno vilarejo do interior do Japão, os dias ensolarados, agora livres da neve, faziam a vida mais alegre e até parecia que a aldeia estava mais festiva. Naquela casa reinava a paz e muita alegria, desde que a menina de pele alva quase leitosa, olhos negros como seus cabelos, ali nascera.
Aquela que fora gerada sob a luz do luar não poderia ter outro nome senão Mizuki, que significa “Bela Lua”. Todos a admiravam por sua doçura e assim ia ela crescendo entre os juncos daquele lago que, em volta numa planície exuberante de gramados verdejantes, corria feliz entre flores silvestres. Belo o lago defronte a casa, unia toda vizinhança quando da época de plantar arroz, o mesmo acontecia para a colheita.
Ali era seu lar, casa pequena, sem luxo, mas, bem aconchegante. Na simplicidade tinham tudo que precisavam; seus pais trabalhavam na plantação, era dali que tiravam o sustento para todos. Seu irmão mais velho era estudante em uma província distante somente vindo para casa a cada três meses. Ah! que saudades tinham... quando aparecia era uma festa!
A vida transcorria... as estações do ano iam e vinham e para Mizuki os dias pareciam iguais. Até que passando o tempo, ela já na adolescência sempre ajudava sua mãe nos afazeres que eram muitos. Certa vez avistou dentre as árvores que ficavam ao fundo, bem lá adiante depois do lago, uma pessoa encurvada que caminhava lentamente e parecia ferida. Mizuki largou tudo, correu até lá, notou que era um rapaz aparentando a mesma idade de seu irmão mais velho. Estava maltrapilho e carregava uma mochila de tecido escuro como um bornal, a “Cimitarra”, que trazia bem junto ao corpo, como se estivesse preparado para lutar a qualquer momento. Ela logo lembrou que muito se dizia da guerra que seu país enfrentava.
Já havia visto “Samurais”, mas aquele não se parecia nem de longe com um deles. Ele respirava com dificuldade. Com a ajuda de sua mãe, colocou-o na varanda sobre um “tatame”, de imediato foi buscar água fresca e algo para alimentá-lo. O rapaz delirava, pois estava muito febril; balbuciava alguns nomes, talvez de pessoas da família.
Seu pai ao chegar, imediatamente o levou para dentro para que ficasse mais confortável, instalando-o nas acomodações de seu irmão, pois no momento estava ausente.
Aquela seria uma noite decisiva, pois o rapaz parecia não melhorar. Mizuki assentou-se em um banquinho baixo com uma caneca de chá ainda quente, que de vez em quando se achega e bem devagar molha os lábios do rapaz. Bastante preocupada, ficou à espera por melhoras; lá pela madrugada até cochilou; a certa hora o rapaz abriu os olhos, e se deparou com aquela imagem de pessoa angelical pensando ter morrido, pois não se lembrava de como chegara ali; felizmente lembrava-se do seu nome: Yuki.
Sempre soube da importância do nome e agora mais do que nunca, pois seu nome significava ‘boa sorte e felicidade’. Olhou novamente ao redor, pousou os olhos naquele rosto suave, e tão sereno era seu respirar... os cabelos longos negros espalhados sobre os ombros, uma parte descia cobrindo os seios chegando à cintura, não se atrevia afastar os olhos que insistiam, hipnotizados, em continuarem fixos nela. Mas as pálpebras pesavam e relutante dormiu; sonhou com ela, que estavam juntos em um jardim lindíssimo; cores diversas, fragrâncias florais enchiam o ar, sentados na relva macia, mãos entrelaçadas, olhos nos olhos e logo seus lábios se tocaram.
Ainda com a sensação do beijo, acordou com as mãos suaves de Mizuki a tocar-lhe a fronte, certificando se ainda estava com febre, e pela primeira vez ela viu aqueles olhos profundos! Com emoção disse: — Você está bem melhor, a febre foi embora. Sabia que dissera isso rapidamente, para disfarçar um sentimento que aflorou tão logo ao abrir de seus olhos, dos quais transmitiam determinação e força, mas ao mesmo tempo ternura; desviou o olhar temendo que tivesse notado seu leve ruborizar. Parecia bem maduro para sua idade. Apresentaram-se; ela, com as emoções ainda não digeridas, pois pela primeira vez sentira algo assim e daquele momento em diante sabia que não importava o quanto tempo vivesse, jamais esqueceria aquele olhar que, como um frenesi, tomou conta do seu ser.
Os pais ficaram felizes ao ver o moço bem melhor; assim os dias se passaram, havia já duas semanas que chegara. Contou que ao lutar na guerra fora ferido, seu comandante o ajudara a chegar até certo ponto, mas dali em diante teria que seguir em frente sozinho, então foi caminhando como podia em frente, foi assim que chegara até ali, agradecendo pela hospitalidade, senão teria morrido; seria eternamente grato lhes devendo sua vida.
Mizuki estava sempre radiante, feliz com a recuperação de Yuki que dissera ter vinte anos e que nascera numa província distante dali. Do local onde morava dava para ver o Monte Fuji, montanha esta a mais alta do Japão, considerada sagrada desde os tempos antigos. Contava como era o lugar onde nascera; de como havia jardins com arvoredos de sakurá e canteiros de flores rasteiras com diversidades incríveis; que na primavera esses eram lugares favoritos para as famílias se reunirem; dava para sentira saudade quando falava da infância, dos queridos pais e irmãos mais novos, pois havia quase um ano que não os via. Mizuki ouvia tudo com curiosidade crescente e almejava um dia conhecer esta montanha tão famosa e este lugar que Yuki falava com tanta nostalgia.
Nas noites mornas o pai de Mizuki pedia que tocasse o ‘Koto’, próprio para as suas mãos delicadas, que ele especialmente lhe trouxera, pois adorava tocar e às vezes até se punha a cantar, entretendo a todos após o jantar. Na varanda, de onde observavam a cálida noite, ouviam sons da natureza, o farfalhar das folhas das árvores, bem como era um prazer ver centenas de vaga-lumes que disputavam seu piscar com as estrelas do céu.
Tudo era perfeito para ela! Já para seus pais não passavam despercebidas as atitudes discretas daqueles jovens, que pareciam namorar apenas com o olhar.
Yuki, de todo já recuperado, anunciou que estava na hora de partir, que seus pais certamente aguardavam ansiosos, pois não sabiam nada sobre onde ele se encontrava até então. Na casa insistiam para que ficasse mais tempo, mas ele agradeceu gentilmente a dedicação de todos e na despedida ao dar a saudação de adeus “sayonara” à Mizuki entregou-lhe discretamente um pequeno pedaço de papel.
Agora a casa parecia vazia, pensava ela, e os dias nunca mais seriam os mesmos, pois foram dias felizes e inusitados. Agora triste em seus aposentos verificou o que havia naquele papel, espantando-se ao ler: “Por favor, me aguarde; assim que eu puder virei buscar-te”. Sem acreditar, leu por incontáveis vezes, e os contornos daquelas letras ficaram gravadas, douradas, reluzentes em seu coração!
Lembrou-se que apenas uma vez, puderam de mãos dadas irem até o arrozal que já amadurecia, sentindo um vento suave que passava lhes afagando os cabelos, balançava os galhos espigados, naqueles pendões dançantes; era como se soasse uma canção cheia de encantos. A tarde caíra rápido já quase para a noite onde o sol desvanecia em sua majestade, colorindo as nuvens de tonalidades rosa e vermelho dourado; e súbito sem palavra alguma, houve seu primeiro beijo. Um beijo suave, onde havia tanto amor... este sentimento que para ela era novo, ficou a imaginar como pode ser, em tão pouco tempo tomar-se de sentimento tão forte.
Como que não mais se reconhecia? Ficava a sonhar com o dia em que os pais de Yuki pediriam a seu pai consentimento para oficializar sua união, só pensava na sua volta.... A espera era cruel, pois lhe assaltava a dúvida se realmente ele viria e quando... Será que os seus pais concordariam que viesse? Será que de sua parte não seria apenas um impulso momentâneo, que em estando longe, ainda se lembraria dela? Do pouco que conversaram seriam mútuos os sentimentos? As dúvidas eram frequentes e tomavam conta do seu pensar.
Um sofrimento que não podia dividir com ninguém; às vezes chorava por essas incertezas, mas sabia que o amor dentro dela crescia ao lembrar-se de seus olhos, seu tom de voz, suas gentilezas. Nunca imaginou que a espera poderia ser tão torturante, e cada dia parecia mais longo que outro. O lugar onde se beijaram ficara como que sagrado; todo dia Mizuki o visitava; acalentava sonhos ao sentir a brisa acariciante, imediatamente lhe vinha o beijo em sua lembrança e seu coração se enchia de alegria!
Enquanto isso, Yuki partira deixando seu coração com a menina dos seus sonhos.... Sabia que havia encontrado seu grande amor; Mizuki!. Agora a felicidade fazia parte do seu viver e sorria ao se lembrar daquela face aveludada, olhos amendoados que quando o miravam, logo os abaixava em pura timidez; quando sua face mudava do rosa para o vermelho, sua voz com um timbre de menina, manso, nunca transparecia tristeza, toda essa alegria o contagiava; sempre se extasiava ao ouvi-la.
Ah! Abençoado seja aquele dia em que tal destino o fizera parar ali, agora ansioso não via o momento de voltar, para contemplar aqueles olhos novamente, cujo olhar ficara gravado em seu ser, e se perguntava se não fora um sonho! Aquela preciosidade existia mesmo? E como reagiriam seus pais quando fossem fazer o pedido oficial? Será que ela, seu amor, iria aceitar deixar seus pais? Sempre tão amorosa com eles! Dúvidas que calavam em seu coração enquanto seguia, cavalgando rápido ao encontro de sua família.
Fora naqueles dias em que a fragrância reinava nos campos em redor, cujo momento marcava o início da primavera onde, as árvores de Sakurá enchiam os olhos com suas delicadas flores rosa. E nessa atmosfera perfumosa certo dia, ao longe um ruído de muitos cavalos se ouvia por aqueles caminhos da pequena aldeia. O céu azul tendo um sol dissipando os últimos vestígios de um pequeno nevoeiro, acima do lago radiante despontava atrás das montanhas verdejantes.
Foi assim que chegaram naquela manhã em caravana pomposa à frente da casa e Mizuki nem acreditava, intimamente sorria ao ver o amado ali e todas as suas dúvidas se dissiparam. Os pais do rapaz vieram para fazer o pedido de casamento oficialmente; seria uma cerimônia na aldeia e outra onde Yuki morava.
Aquele que um dia se aproximara de sua casa quase esfarrapado hoje para espanto dela, via diante de si um destemido Samurai, que devia naqueles dias de outrora, andar em total sigilo para disfarçar. Estivera em missão secreta, designado a procurar soldados, vítimas de prisões indevidas. Por estar ferido naquela época tivera que deixar a missão.
Os preparativos para a cerimônia começaram de imediato. A alegria tomou conta dos aldeões que nunca viram nada tão exuberante em cada detalhe. Mizuki em seu traje luxuoso próprio para o casamento, cuja beleza destacava ainda mais. Os moradores da aldeia estavam ali para ajudar e depois cumprimentariam os noivos que logo após partiriam.
Com todos os trâmites que mandava a tradição, uma linda festa foi realizada e esta ficaria na memória de todos por muito tempo.
Esta é a história que Mizuki, uma vez mais, das inúmeras que narrou à sua neta Asuka, conta como foi que conhecera seu avô. A menina agora com cinco aninhos, cujo nome significa “fragrância do amanhã”, com olhinhos atentos acompanhava cada detalhe que sua avó contava naquela voz melodiosa. Neste dia estavam em um piquenique debaixo de uma frondosa árvore de sakurá, que durante a primavera dá as flores mais apreciadas em todo Japão. De vez em quando ela lançava olhares felizes ao apreciar a exuberante montanha do Monte Fuji.
******
* Samurai- Durante o período do Japão feudal, ganhou funções militares e virou um soldado da aristocracia imperial, no período de 930 a 1877.
*Cimitarra curta – (espada, sabre oriental largo e curvo) -A cimitarra curta é uma variante menor e mais ágil da cimitarra longa, frequentemente usada aos pares, uma em cada mão. Uma típica cimitarra curta tem em torno de 56 cm de comprimento e pesa 500 gramas.
*Tatame- uma espécie de esteira feita de palha de arroz.
*Koto - um tipo de harpa, instrumento de corda pequena.
* Sakurá- A flor da cerejeira, em japonês é a flor símbolo do Japão. A simbologia é tão intensa que o povo cultua e respeita como a própria bandeira japonesa ou o hino nacional.
*Monte Fuji- O Fuji-san é a montanha mais alta do Japão e a 35ª do mundo; O ponto mais alto tem 3.776 metros de altura. Sua cratera é de 820 metros de profundidade e tem um diâmetro de superfície de 1.600 metros.
---<>---<>---<>--
Lydiene Maryen, Paulista;
Há alguns anos trabalha como
praticante e professora de NUMEROLOGIA PITAGÓRICA, mas;
antes de tudo digo: EU SOU um Ser planetário; aqui ainda em Construção,
que ama ao que Fez Todo o Universo, ao ser humano como um
representante e centelha do Pai Maior na Terra, amo a natureza e os animais;
tendo consciência que todos os seres viventes merecem respeito.
iimagens: 1) moça japonesa diante do mar, pinterest; 2) flores, 3) mandala logotipo da escrivaninha de Lydiene Maryen e 5) Monte Fuji: gentilmente cedidas por Lydiene Maryen; 4) moça asiática no bosque, pixabay.
A MULHER ORIENTAL
Miguel Carqueija
Eu venho do Oriente,
e o meu olho é repuxado;
meu semblante é diferente
e o meu país é sagrado!
Tenho o mistério na veia,
numa história milenar;
mas posso enredar na teia,
te fazer apaixonar!
Cuidado com meu olhar
que penetra em sua alma;
ao homem sei dominar
e tê-lo na minha palma!
Mas não uso para o mal
este místico poder:
neste mundo é natural
que eu saiba me defender!
Na dança sou sinuosa
movendo os braços qual cobra;
e com roupa vaporosa
o meu corpo se desdobra!
Sacha Distel já cantou
na “Canção oriental”
esse mistério que eu sou,
um mistério bem real!
Respeita a minha origem
que somos todos irmãos:
pra trás ficou a fuligem,
da História seus desvãos!
Hoje nós nos conhecemos,
não queremos preconceito;
que por Deus nós nos amemos,
pra ter um mundo perfeito!
Carrego o sabor do vento
que fala em velhas feridas,
de um grande amor o lamento,
civilizações perdidas;
tantas guerras fratricidas,
pouco caso com a mulher,
revoluções homicidas,
um salve-se quem puder.
Mas em meio a tudo isso
ancestral sabedoria,
uma estirpe que tem viço,
que não cai na anarquia!
E eu com místico olhar
venho desta imensidão,
que não se pode abarcar
com a imaginação!
Meus enfeites simbolizam
meu misterioso eu;
e os meus olhos cativam,
eu posso torná-lo meu.
Meus dedos têm expressão
e a minha voz é marcante;
eu venho da imensidão,
daquela Ásia distante,
do horizonte perdido,
dos planaltos da Mongólia,
do Butão tão escondido,
dos desertos da Anatólia.
Se quer me compreender
e me aceitar como sou
venha me conhecer
se teu coração me amou!
(26/3/2017)
ENTRE AS FLORES E O MONTE FUJI
Lydiene Marien
Sendo, um pequeno vilarejo do interior do Japão, os dias ensolarados, agora livres da neve, faziam a vida mais alegre e até parecia que a aldeia estava mais festiva. Naquela casa reinava a paz e muita alegria, desde que a menina de pele alva quase leitosa, olhos negros como seus cabelos, ali nascera.
Aquela que fora gerada sob a luz do luar não poderia ter outro nome senão Mizuki, que significa “Bela Lua”. Todos a admiravam por sua doçura e assim ia ela crescendo entre os juncos daquele lago que, em volta numa planície exuberante de gramados verdejantes, corria feliz entre flores silvestres. Belo o lago defronte a casa, unia toda vizinhança quando da época de plantar arroz, o mesmo acontecia para a colheita.
Ali era seu lar, casa pequena, sem luxo, mas, bem aconchegante. Na simplicidade tinham tudo que precisavam; seus pais trabalhavam na plantação, era dali que tiravam o sustento para todos. Seu irmão mais velho era estudante em uma província distante somente vindo para casa a cada três meses. Ah! que saudades tinham... quando aparecia era uma festa!
A vida transcorria... as estações do ano iam e vinham e para Mizuki os dias pareciam iguais. Até que passando o tempo, ela já na adolescência sempre ajudava sua mãe nos afazeres que eram muitos. Certa vez avistou dentre as árvores que ficavam ao fundo, bem lá adiante depois do lago, uma pessoa encurvada que caminhava lentamente e parecia ferida. Mizuki largou tudo, correu até lá, notou que era um rapaz aparentando a mesma idade de seu irmão mais velho. Estava maltrapilho e carregava uma mochila de tecido escuro como um bornal, a “Cimitarra”, que trazia bem junto ao corpo, como se estivesse preparado para lutar a qualquer momento. Ela logo lembrou que muito se dizia da guerra que seu país enfrentava.
Já havia visto “Samurais”, mas aquele não se parecia nem de longe com um deles. Ele respirava com dificuldade. Com a ajuda de sua mãe, colocou-o na varanda sobre um “tatame”, de imediato foi buscar água fresca e algo para alimentá-lo. O rapaz delirava, pois estava muito febril; balbuciava alguns nomes, talvez de pessoas da família.
Seu pai ao chegar, imediatamente o levou para dentro para que ficasse mais confortável, instalando-o nas acomodações de seu irmão, pois no momento estava ausente.
Aquela seria uma noite decisiva, pois o rapaz parecia não melhorar. Mizuki assentou-se em um banquinho baixo com uma caneca de chá ainda quente, que de vez em quando se achega e bem devagar molha os lábios do rapaz. Bastante preocupada, ficou à espera por melhoras; lá pela madrugada até cochilou; a certa hora o rapaz abriu os olhos, e se deparou com aquela imagem de pessoa angelical pensando ter morrido, pois não se lembrava de como chegara ali; felizmente lembrava-se do seu nome: Yuki.
Sempre soube da importância do nome e agora mais do que nunca, pois seu nome significava ‘boa sorte e felicidade’. Olhou novamente ao redor, pousou os olhos naquele rosto suave, e tão sereno era seu respirar... os cabelos longos negros espalhados sobre os ombros, uma parte descia cobrindo os seios chegando à cintura, não se atrevia afastar os olhos que insistiam, hipnotizados, em continuarem fixos nela. Mas as pálpebras pesavam e relutante dormiu; sonhou com ela, que estavam juntos em um jardim lindíssimo; cores diversas, fragrâncias florais enchiam o ar, sentados na relva macia, mãos entrelaçadas, olhos nos olhos e logo seus lábios se tocaram.
Ainda com a sensação do beijo, acordou com as mãos suaves de Mizuki a tocar-lhe a fronte, certificando se ainda estava com febre, e pela primeira vez ela viu aqueles olhos profundos! Com emoção disse: — Você está bem melhor, a febre foi embora. Sabia que dissera isso rapidamente, para disfarçar um sentimento que aflorou tão logo ao abrir de seus olhos, dos quais transmitiam determinação e força, mas ao mesmo tempo ternura; desviou o olhar temendo que tivesse notado seu leve ruborizar. Parecia bem maduro para sua idade. Apresentaram-se; ela, com as emoções ainda não digeridas, pois pela primeira vez sentira algo assim e daquele momento em diante sabia que não importava o quanto tempo vivesse, jamais esqueceria aquele olhar que, como um frenesi, tomou conta do seu ser.
Os pais ficaram felizes ao ver o moço bem melhor; assim os dias se passaram, havia já duas semanas que chegara. Contou que ao lutar na guerra fora ferido, seu comandante o ajudara a chegar até certo ponto, mas dali em diante teria que seguir em frente sozinho, então foi caminhando como podia em frente, foi assim que chegara até ali, agradecendo pela hospitalidade, senão teria morrido; seria eternamente grato lhes devendo sua vida.
Mizuki estava sempre radiante, feliz com a recuperação de Yuki que dissera ter vinte anos e que nascera numa província distante dali. Do local onde morava dava para ver o Monte Fuji, montanha esta a mais alta do Japão, considerada sagrada desde os tempos antigos. Contava como era o lugar onde nascera; de como havia jardins com arvoredos de sakurá e canteiros de flores rasteiras com diversidades incríveis; que na primavera esses eram lugares favoritos para as famílias se reunirem; dava para sentir
Nas noites mornas o pai de Mizuki pedia que tocasse o ‘Koto’, próprio para as suas mãos delicadas, que ele especialmente lhe trouxera, pois adorava tocar e às vezes até se punha a cantar, entretendo a todos após o jantar. Na varanda, de onde observavam a cálida noite, ouviam sons da natureza, o farfalhar das folhas das árvores, bem como era um prazer ver centenas de vaga-lumes que disputavam seu piscar com as estrelas do céu.
Tudo era perfeito para ela! Já para seus pais não passavam despercebidas as atitudes discretas daqueles jovens, que pareciam namorar apenas com o olhar.
Yuki, de todo já recuperado, anunciou que estava na hora de partir, que seus pais certamente aguardavam ansiosos, pois não sabiam nada sobre onde ele se encontrava até então. Na casa insistiam para que ficasse mais tempo, mas ele agradeceu gentilmente a dedicação de todos e na despedida ao dar a saudação de adeus “sayonara” à Mizuki entregou-lhe discretamente um pequeno pedaço de papel.
Agora a casa parecia vazia, pensava ela, e os dias nunca mais seriam os mesmos, pois foram dias felizes e inusitados. Agora triste em seus aposentos verificou o que havia naquele papel, espantando-se ao ler: “Por favor, me aguarde; assim que eu puder virei buscar-te”. Sem acreditar, leu por incontáveis vezes, e os contornos daquelas letras ficaram gravadas, douradas, reluzentes em seu coração!
Lembrou-se que apenas uma vez, puderam de mãos dadas irem até o arrozal que já amadurecia, sentindo um vento suave que passava lhes afagando os cabelos, balançava os galhos espigados, naqueles pendões dançantes; era como se soasse uma canção cheia de encantos. A tarde caíra rápido já quase para a noite onde o sol desvanecia em sua majestade, colorindo as nuvens de tonalidades rosa e vermelho dourado; e súbito sem palavra alguma, houve seu primeiro beijo. Um beijo suave, onde havia tanto amor... este sentimento que para ela era novo, ficou a imaginar como pode ser, em tão pouco tempo tomar-se de sentimento tão forte.
Como que não mais se reconhecia? Ficava a sonhar com o dia em que os pais de Yuki pediriam a seu pai consentimento para oficializar sua união, só pensava na sua volta.... A espera era cruel, pois lhe assaltava a dúvida se realmente ele viria e quando... Será que os seus pais concordariam que viesse? Será que de sua parte não seria apenas um impulso momentâneo, que em estando longe, ainda se lembraria dela? Do pouco que conversaram seriam mútuos os sentimentos? As dúvidas eram frequentes e tomavam conta do seu pensar.
Um sofrimento que não podia dividir com ninguém; às vezes chorava por essas incertezas, mas sabia que o amor dentro dela crescia ao lembrar-se de seus olhos, seu tom de voz, suas gentilezas. Nunca imaginou que a espera poderia ser tão torturante, e cada dia parecia mais longo que outro. O lugar onde se beijaram ficara como que sagrado; todo dia Mizuki o visitava; acalentava sonhos ao sentir a brisa acariciante, imediatamente lhe vinha o beijo em sua lembrança e seu coração se enchia de alegria!
Enquanto isso, Yuki partira deixando seu coração com a menina dos seus sonhos.... Sabia que havia encontrado seu grande amor; Mizuki!. Agora a felicidade fazia parte do seu viver e sorria ao se lembrar daquela face aveludada, olhos amendoados que quando o miravam, logo os abaixava em pura timidez; quando sua face mudava do rosa para o vermelho, sua voz com um timbre de menina, manso, nunca transparecia tristeza, toda essa alegria o contagiava; sempre se extasiava ao ouvi-la.
Ah! Abençoado seja aquele dia em que tal destino o fizera parar ali, agora ansioso não via o momento de voltar, para contemplar aqueles olhos novamente, cujo olhar ficara gravado em seu ser, e se perguntava se não fora um sonho! Aquela preciosidade existia mesmo? E como reagiriam seus pais quando fossem fazer o pedido oficial? Será que ela, seu amor, iria aceitar deixar seus pais? Sempre tão amorosa com eles! Dúvidas que calavam em seu coração enquanto seguia, cavalgando rápido ao encontro de sua família.
Fora naqueles dias em que a fragrância reinava nos campos em redor, cujo momento marcava o início da primavera onde, as árvores de Sakurá enchiam os olhos com suas delicadas flores rosa. E nessa atmosfera perfumosa certo dia, ao longe um ruído de muitos cavalos se ouvia por aqueles caminhos da pequena aldeia. O céu azul tendo um sol dissipando os últimos vestígios de um pequeno nevoeiro, acima do lago radiante despontava atrás das montanhas verdejantes.
Foi assim que chegaram naquela manhã em caravana pomposa à frente da casa e Mizuki nem acreditava, intimamente sorria ao ver o amado ali e todas as suas dúvidas se dissiparam. Os pais do rapaz vieram para fazer o pedido de casamento oficialmente; seria uma cerimônia na aldeia e outra onde Yuki morava.
Aquele que um dia se aproximara de sua casa quase esfarrapado hoje para espanto dela, via diante de si um destemido Samurai, que devia naqueles dias de outrora, andar em total sigilo para disfarçar. Estivera em missão secreta, designado a procurar soldados, vítimas de prisões indevidas. Por estar ferido naquela época tivera que deixar a missão.
Os preparativos para a cerimônia começaram de imediato. A alegria tomou conta dos aldeões que nunca viram nada tão exuberante em cada detalhe. Mizuki em seu traje luxuoso próprio para o casamento, cuja beleza destacava ainda mais. Os moradores da aldeia estavam ali para ajudar e depois cumprimentariam os noivos que logo após partiriam.
Com todos os trâmites que mandava a tradição, uma linda festa foi realizada e esta ficaria na memória de todos por muito tempo.
Esta é a história que Mizuki, uma vez mais, das inúmeras que narrou à sua neta Asuka, conta como foi que conhecera seu avô. A menina agora com cinco aninhos, cujo nome significa “fragrância do amanhã”, com olhinhos atentos acompanhava cada detalhe que sua avó contava naquela voz melodiosa. Neste dia estavam em um piquenique debaixo de uma frondosa árvore de sakurá, que durante a primavera dá as flores mais apreciadas em todo Japão. De vez em quando ela lançava olhares felizes ao apreciar a exuberante montanha do Monte Fuji.
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* Samurai- Durante o período do Japão feudal, ganhou funções militares e virou um soldado da aristocracia imperial, no período de 930 a 1877.
*Cimitarra curta – (espada, sabre oriental largo e curvo) -A cimitarra curta é uma variante menor e mais ágil da cimitarra longa, frequentemente usada aos pares, uma em cada mão. Uma típica cimitarra curta tem em torno de 56 cm de comprimento e pesa 500 gramas.
*Tatame- uma espécie de esteira feita de palha de arroz.
*Koto - um tipo de harpa, instrumento de corda pequena.
* Sakurá- A flor da cerejeira, em japonês é a flor símbolo do Japão. A simbologia é tão intensa que o povo cultua e respeita como a própria bandeira japonesa ou o hino nacional.
*Monte Fuji- O Fuji-san é a montanha mais alta do Japão e a 35ª do mundo; O ponto mais alto tem 3.776 metros de altura. Sua cratera é de 820 metros de profundidade e tem um diâmetro de superfície de 1.600 metros.
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Lydiene Maryen, Paulista;
Há alguns anos trabalha como
praticante e professora de NUMEROLOGIA PITAGÓRICA, mas;
antes de tudo digo: EU SOU um Ser planetário; aqui ainda em Construção,
que ama ao que Fez Todo o Universo, ao ser humano como um
representante e centelha do Pai Maior na Terra, amo a natureza e os animais;
tendo consciência que todos os seres viventes merecem respeito.
iimagens: 1) moça japonesa diante do mar, pinterest; 2) flores, 3) mandala logotipo da escrivaninha de Lydiene Maryen e 5) Monte Fuji: gentilmente cedidas por Lydiene Maryen; 4) moça asiática no bosque, pixabay.