João da Cruz
Nunca vi João da Cruz sóbrio.
Era sempre aquela cara enfarruscada
Meio sonolenta, devido aos clarões da madrugada.
Na claridade do dia, não era nada
Apenas um bêbado
Puxando conversa, aqui, ali...
Mas à noite, e si a noite fosse enluarada
João da Cruz era uma voz doce, encantada
Que vibrava ao som de seu velho pandeiro;
“...Meu coração tem mania de amor, amor não se pode negar...”
E... Tic-tanc, Tic-tanc, Tic-tanc…
O pandeirão comendo solto
No meio da noite
No meio do rio
No meio da coroa
No meio do meu medo de menino
Que cismava em divagar ao longe
O *cabeça de cuia assistindo a tudo
Com seus olhos assassinos.
Não sei ao certo
Quando a voz do negro João da Cruz silenciou.
Nenhum vestígio da velha canoa
Do remo surrado
Ou do pandeiro encanto
Cuja magia
Só eu trago,
E vez por outra me embala
Na dureza desses dias.
*Cebeça de cuia - Lenda do Piauí – Figura encantada que vive nas águas do rio Parnaíba