SECAS VIDAS - A Graciliano Ramos
No sertão a quentura da seca
perdura até o inverno,
Faz com que Fabiano corra do inferno
com sua amada dois filhos e uma cachorra peca…
O papagaio não falava: latia.
Pássaro desventurado, foi sacrificado em nome da fome
Mas morreu como um herói salvando a família…
E como nesta história bicho é mais humano do que homem
e homem é mais bicho do que humano,
Matar para viver não é profano,
É sagrado…
Nobre fado
que Fabiano carrega nos lombos de fazendeiro
e nas mãos calejadas,
Era um ruivo barbudo que tinha alma de catingueiro
E andava com as botinas de couro curtido em meio as terras rachadas…
Coitado, não sabia falar direito
Só sabia obedecer,
Era um jagunço que amansava o peito
Quando ficava na sarjeta até o amanhecer…
Vidas secas, secas vidas,
Foram nessas vindas e idas
que a esperança floresceu na fazenda da família
como um juazeiro que não morre no calor…
Diurna flor
com cálice de prata,
O que não fere mata,
O que não mata só deixa mais forte…
E foi assim que Fabiano enfrentou a morte
no inferno que seu filho mais velho queria tanto conhecer.
Tapou a corola com um chapéu, calçou as botinas
e fez a terra árida resplandecer
de tanto verde…
Quando o inverno chegou friamente
E a procela caiu por terra,
A seca amoleceu seu duro coração de pedra
Que até o juazeiro se afogou no meio da enxurrada…
Mas Fabiano, tal homem tal animal
Após ter sido preso injustamente
e ter enlouquecido no natal,
resolveu matar a cachorra e fugir novamente…
Coitado, a seca veio de novo e engoliu sua mente
como uma aguardente a penetrar a garganta rouca
e a percorrer o sangue fervente.
Pobre Fabiano, foi vaqueiro, assassino,
natalino e pai de família inocente,
Mas agora, a fuga do inferno começara mais contente
do que da última vez...
Sivaldo Souza"