VERSO MAMBEMBE
Pela passagem de Ferreira Gullar, em sincera homenagem.
Dos céus aos becos...
Então sempre ela se viu ali
De repente nascida
Em auto- antítese
Coisa de si mesma!
Poesia sem identificação
De ser...
Nasceu na lona,
Como nasce toda vida.
Ser alegria ou nostalgia?
Ser premonição, ou só ser emoção?
Ser oração, ou ser comoção?
Ser perdão?
Ser fortaleza ou ser realeza?
Fantasia, agonia?
Feiúra, amargura?
Quiçá se ser o quê?
Só ser bravura?
Ser obtuso verso de fraqueza
Ou verso destemido, de clareza?
Ser ...poesia, apenas.
E já seria um ser...de bom tamanho.
Um ser de natureza pura
Vilipendiado em toda lida.
Também se viu na vil pobreza
No ser sido de alguma coisa amorfa
Sem nunca saber...o que.
Nada que lhe fizesse sentido
Elucidativo.
Como é toda dor que se sente,
Premente a toda dor indigente.
À poesia basta ser e pronto.
Se viu poesia, qual ser borbulhante
Bolhas de vinho, bolhas absinto.
Um ser disfarçado
Em ser constante trocadilho.
Chegou...como tudo chega!
Feto gerado sem aviso prévio
No ventre das ruas obscuras
Sem vacina de vida digna,
Sem anticorpos programados...
Só se sabia nascida poesia
Feminino valente,
Ser reverberante de atos
Obrigada a ser seiva de vida
Como se fosse missão
Mesmo não escolhida.
Vida recolhida,
Como redenção .
DNA de beleza viva e indevida!
Cantada,
Decantada,
Enclausurada,
Surrada,
Suada,
Pulsada a pulso!
Amaldiçoada
E amordaçada por poder ser
Ser de legítima voz...
Sem ser sabida em si mesma.
Ainda assim rima rebrotada
No coração indevido
Da flor moribunda...
Da lama fétida do Homem insano,
No cerne de qualquer sofrimento mundano.
Entendeu.
Nada que a contivesse de ser!
Como não se segura o sol que nasce.
Poesia flor de fênix!
Néctar dos deuses ensandecidos
Legítimos e ilegítimos,
Mitologia dos milagres não contados
Instantaneamente ali fantasiada
Acolhedora mão...
Habitante da dor deflagrada
Da alegria roubada,
Poesia...ainda que persuadida por sonhos.
Descida dos céus...
Chegou poesia aos becos,
Nada além do milagre de apenas ser.
Ali,
Também recitavam-lhe vozes
Reverberantes...
Não apenas as das flores do campo
Mas a dos indigentes passantes...
Peitos invisíveis e sangrantes
Por todos os lados,
Zumbis de si mesmos;
Pseudo vidas de notas poéticas
Extraídas dos âmagos inexistentes
em rimas afônicas e dismétricas.
Cansada certa vez adormeceu,
Mas logo despertou em perene poesia.
Um dia...
Subiu a lona,
Deixou os chãos!
Aos tropeços, seguiu então,
Poesia magia...trôpega
Como ser mambembe,
Qual é toda vida!
A fazer rir e chorar...
Pelas vielas possíveis
Dos cantos impossíveis
Pelos tantos cantos
Imprevisíveis de ser.
Ser cantante,
Eternamente é se ser poesia.
Não importa o tema.
Significou-se de mistério!
Re-subiu aos céus.
A enveredar a vida silente,
Em andarilha voz permanente
Por todos os tempos!
A fazer versos ...explícitos!
Que ninguém ouviu.