A Pintora

A PINTORA
Miguel Carqueija


Se a tela está em branco
não vai ser fácil preencher!
Pois não vem tudo num tranco,
tem que a idéia aparecer!

O nome é inspiração,
e por ela é que eu espero,
pinto e crio com paixão,
fazer obra-prima eu quero!

Vou descalça à natureza,
curtir vento, verde e chão;
e incorporada à beleza
me desce a inspiração!

As pombas e os passarinhos
fazem um ótimo tema:
e outros animaizinhos,
o pato e a seriema!

Imagine a sugestão
do tronco cheio de limo,
a água do riachão
e a cabra bem lá no cimo!

Mas também lá no estúdio
com meus modelos humanos
e minha arte em conúbio
com os mais sonhadores planos,

pode crer que eu pinto o sete,
estou no meu ambiente;
— Mas que belo quadro, Ivete!
Diz a freguesa, contente!




Há tanta coisa singela
neste mundo variado
que se pode por na tela
e será do seu agrado!

A velhinha junto às flores
com seu cabelo de prata,
o casalzinho em amores
passeando pela mata!

Ou as crianças brincando
felizes no seu mundinho,
as aves no céu planando
e o ninho do passarinho!

E pinto a arquitetura,
o mosteiro tão vetusto,
mas como é bela a pintura
e eu pinto a qualquer custo!

Sabem outro tema imenso
é o insondável mar:
aquele verde tão denso,
a ave a sobrevoar!

E o rochedo tão a pique,
tão nu da água emergindo:
quer ver-me pintando, fique...
muito bem vou me sentindo

se o que faço é do agrado
de pessoas tão gentis:
pintando não sinto enfado,
é a vida que eu sempre quis!

Pinto em óleo, aquarela,
em guache, em caseína,
e há quem diga, como é bela
a arte dessa menina!

A Deus eu sempre agradeço
por me dar inspiração:
por isso sempre adormeço
tendo leve o coração!






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