A Gari

A GARI
Miguel Carqueija



Eu sou a mulher do lixo
e sempre chego primeiro,
varrendo assim no capricho
este Rio de Janeiro!

E varrendo esta cidade
não me sinto desprezada,
ao contrário na verdade
eu me sinto muito amada!

Eu posso ser pobrezinha
e não trabalho em “bureau”
mas sou mais que bonitinha,
você não me viu de maiô!


Trabalho e não me envergonho
porque o trabalho enobrece,
mas também tenho o meu sonho
e elevo aos Céus minha prece!

Às vezes de madrugada
varando até o sol raiar
eu me sinto tão cansada
e só penso em me deitar!

Mas a Deus eu agradeço
por garantir o meu pão
e de rezar não me esqueço,
esta é a minha gratidão!

Eu sou até elegante
em abóbora vestida,
com um chapéu bem galante
e um jeitinho de atrevida!

Gari também é charmosa
até pra varrer o chão,
me sinto até vaidosa
com a vassoura na mão!




Até tem gente zombando:
— Vassoura é coisa de bruxa!
Mas a vida vou levando,
não ligo pra isso, puxa!

Se esta cidade é mais limpa
deve isso um pouco a mim:
ao meu esforço supimpa,
que parece não ter fim!

Meu querido cachorrinho
meu sanduíche é pra ti,
vira-latas, coitadinho,
que sorte eu estar por aqui!

Não acaba esta avenida
e ninguém olha pra mim,
sou invisível, perdida
numa cidade sem fim.

Mas faço coisa importante,
pois sem nós você não passa:
acha insignificante?
Então você mesmo faça!

Trabalho no sol, na chuva,
apanho até uma gripe,
mas dizem que sou uma uva,
a mais charmosa da equipe.

Minha filha tem orgulho
da mamãe que varre a rua:
se duvidam faz barulho,
— A mamãe por vocês sua!

E assim eu faço “turismo”,
conheço bem a cidade,
e muitas vezes eu cismo:
o que é a felicidade?

Não tenho ouro, riqueza,
palacete nem carrão;
porém mesmo na pobreza
tenho a paz no coração!


(19/11/2015)

Rita Matos, gari no Rio de Janeiro (google)


demais imagens pixbay