O meu pai me deu um nome,
Que agora nego.
Meu pai era poeta, não construtor.
Meu pai era poeta, não doutor.
Meu pai era poeta, não professor.
E nas noites, meu pai era outro,
Um homem, o louco,
Entre as suas criaturas.
Magistral figura dos mares,
Capitão das naus perdidas,
Amante das coisas da vida.
Meu pai era poeta
E eu não entendia.
Como a poesia era o abraço
Que morria em suas mãos.
Quando, na tradução de seus versos,
O posto do que seria,
Era o que era.
Senhor dos ventos e das maresias,
Entre os dias, ocluso nas lentes,
Encarcerado na sua alma,
Desgastava os dentes roendo letras.
E quão belas eram essas letras!
Meu era poeta
E minha mãe, mulher do poeta.
Homem de uma só,
Até o tempo lhe corroer os ossos.
Amante dos seres distantes do mundo,
Em paz com seu próprio universo,
Mas em constante tormenta e delírio.
De onde nasceram essas palavras
Que até hoje circulam em meus lábios?
Meu pai, poeta, e me deu um nome
Que agora nego.
Não assumo tamanha responsabilidade.
 
*Meu pai chamava-se Narciso de Andrade Neto, poeta santista, um dos fundadores do Movimento Pesquisista, na literatura. Era também advogado e jornalista,  até nas petições usava da poesia para ilustrar. Nasceu em 20.07.1925 e faleceu em 29.12.2007.
MARIO SERGIO SOUZA ANDRADE
Enviado por MARIO SERGIO SOUZA ANDRADE em 03/01/2016
Código do texto: T5499377
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