Ao poeta do trem

A noite já se fazia densa,

com nuvens omissas

e estrelas profundas,

as quais me confirmaram

a vida celeste de

meu

filho,

lembraram-me dos

olhos de

minha

amada

e ratificaram a

lacuna

subjetiva que corrói

meu ser

grisalho.

Assim, pedi

uma ideia à noite

para fazer sair os versos

do centro de um

SONETO,

que apenas

possui

começo

e

fim,

produzido

em minha época de

seminário,

mas a noite deu-me

os versos esquivos

que grafo aqui,

com as mãos trêmulas.

Dentro do trem que me

levava ao Engenho Novo,

pus-me a refletir acerca

das reminiscências

inconstantes da minha vida

com as pálpebras

oscilantes de cansado que estava.

Tentava eu observar

o ordinário trajeto que levava

o trem à estação,

atento ao ruidoso som

metálico dos trilhos

para manter-me acordado.

Observava-me, porém,

um cavalheiro

que eu conhecia de vista e de chapéu,

o qual se aproximou e cumprimentou-me,

assemelhando-se a um velho

conhecido

que eu nunca tive.

Sentado ao pé

de mim,

iniciou o assunto falando de

como a Lua se fazia profunda

e, sem que eu percebesse,

passou a falar dos

ministros

nomeados pelo

Presidente do

Conselho

enquanto eu piscava

longamente

a cada

palavra,

imóvel.

Em seguida,

num movimento tímido,

tirou do bolso fragmentos

de papéis

rabiscados

com uma caligrafia inteiramente

ilegível.

Em seguida,

olhou-me assustado e

consultou-me

se poderia ler versos

para mim.

Calmamente, disse a ele que sim

com os olhos cansados.

Se bem me recordo,

ele recitou-me tais

palavras:

"Ouço que a natureza é uma lauda eterna

De pompa, de fulgor, de movimento e de lida

Uma escala de..."

Pisquei

e

vi-o observar-me,

SÉRIO.

"Ouço que a natureza - a natureza externa -

Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida

Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna..."

Já não discernia nada

mais.

Então, voltei a mim.

"...se fecho os olhos, e mergulho

Dentro em mim, vejo à luz de outro sol...

Em que um mundo mais vasto, armado de..."

De repente,

vi-o guardar

seus papéis com

veemência,

e disse-lhe que os versos

eram muito bonitos,

pedindo que continuasse

a lê-los,

mas apenas

murmurou que acabara

a leitura,

dando-me as costas.

A viagem era curta

e logo desci do trem.

Até chegar à

minha casa

no Engenho Novo,

reprodução de minha desaparecida

casa da Rua de Matacavalos,

onde vivi até certa idade,

andei alguns metros

de pensamentos

ensimesmados.

Pensei nos versos e

em minha postura

até dormir

ouvindo as rimas

parnasianas

que me fizeram cochilar

no trem.

Foi a primeira noite

em que deitei-me

e não

me encontrei com

CAPITU.

Ao outro dia,

excepcionalmente,

precisei sair de casa

e

retornei no mesmo trem

por volta do horário

que voltara à casa no dia anterior.

Lá estava,

por obra da vida,

o rapaz dos versos

que não pude me fazer ouvir.

Com veemência, o sangue

ruborizando-lhe a face,

ele aproximou-se

e apontou-me o dedo,

proferindo nomes violentos

pelo fato de eu não o ter ouvido

recitar seus versos no ar,

alcunhando-me, por fim,

DOM

CASMURRO.

Ratifico aqui que,

a cada passo do tempo,

mais concordo com

o rapaz

do trem.

Afinal, poeto

de casmurro que sou,

pois, criado

na

ortografia de meus

pais,

não cresci com versos

e não sei produzir poemas

habilmente,

apesar de muito

ler

nas horas vagas.

A solidão, porém,

demonstrou-me quem sou

e sofro com a lacuna

que crio com minha

própria ausência,

afinal,

posso ter o mesmo aspecto,

mas sou outro,

na verdade.

Digo, pois,

que estes versos

são um

envergonhado

pedido de desculpas ao rapaz

do trem da Central,

mas não espero que ele os aceite,

pois é muito mais rico

de alma do que eu,

um homem só,

que apenas traz recordações

fragmentadas

e, numa casa que

lembra a vida de outrora,

busca ligar as pontas da vida

através das lembranças.

Outro dia,

guiado pela monotonia,

veio-me à mente

a ideia de escrever um livro

para

variar,

mas os temas foram muito

áridos e longos,

por isso,

acabariam por exaurir-me.

Diante disso,

ouvi os medalhões

clássicos

de César,

de Augusto,

de Nero e

de Massinissa,

pintados nas paredes,

como na casa da

Rua

de

Matacavalos,

falando-me e

dizendo-me

que não alcançavam

reconstituir-me os tempos

idos e, de tal forma,

deveria eu pegar

na pena

e contar alguns desses tempos

vividos,

para, talvez,

ver perpassar as sombras de meu passado

e viver minha juventude na velhice.

Se tais memórias vierem a

ser escritas,

já possuo título,

pois melhor não

encontro do que a alcunha

que eu recebera. Assim,

tu,

poeta do trem,

poderás chamar

a obra de tua,

já que o título

é teu,

provando, assim,

que não

guardo rancor.

Quanto a estes versos,

uso-os para ratificar

que não sei poetar,

afinal,

para Capitolina,

a primeira

amada do meu

coração,

não fiz

sequer um soneto completo,

por isso,

in memoriam,

dedico a ela este fim de poema

torto

e esquizofrênico:

Oh! flor do céu! oh! flor cândida e pura!

As reminiscências da solidão mostram-me que

Amar e obter falsa recíproca significa

Ganhar lembranças que se escondem na escuridão:

Ganha-se a vida, perde-se a batalha!

*5º melhor poema do Primeiro Concurso Literário do Instituto Cultural Brasil Itália Europa (ICBIE) 2015, localizado em Salvador-BA.

Ronaldo Junior
Enviado por Ronaldo Junior em 17/04/2015
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