MEU PAI
Na semiluz
da memória
aninhada
na concha
de teus quentes
e antigos dedos
enrosco-me
em teu silêncio luto.
E escuto
minhas páginas pálpebras
muito mais
que imaginadas
uma a uma
na dança da viração
e te vejo,
pai.
Nesse doce antigamente
que vem quieto
sinto
a vida azul
que me expectavas.
Tinha
na relembrança
uma luz recado
que pairava
tão bela,
tão bela
e eu dela
nada sabia.
Era
como se o mundo
inteiro
na infância
que me trazias
fosse de sol,
pai.
Quando adentravas
pela casa
meu lúdico céu
embrulhava-se
em pássaros
e eu mesma
me apoderava
dos sopros das asas
e voava
esvoaçando carinhos
no teu rosto sorriso.
E eu sabia
que o teu sol
era a vida
em mim,
pai.
Escuto
teu silêncio
e luto
nessa tormenta densa
que venta ausência
que quase varre
sol e céu
e pássaros e voos
que me arrasta
a toda hora.
Ouço ao longe
o som do cravo
que sibila Bach
que suplica,
pai,
de mim
não vás embora…
Mírian Cerqueira Leite