A um Poeta MortoQuando a primeira vez a harmonia secreta 
De uma lira acordou, gemendo, a terra inteira, 
- Dentro do coração do primeiro poeta 
Desabrochou a flor da lágrima primeira. 

E o poeta sentiu os olhos rasos de água; 
Subiu-lhe â boca, ansioso, o primeiro queixume: 
Tinha nascido a flor da Paixão e da Mágoa, 
Que possui, como a rosa, espinhos e perfume. 

E na terra, por onde o sonhador passava, 
Ia a roxa corola espalhando as sementes: 
De modo que, a brilhar, pelo solo ficava 
Uma vegetação de lágrimas ardentes. 

Foi assim que se fez a Via Dolorosa, 
A avenida ensombrada e triste da Saudade, 
Onde se arrasta, à noite, a procissão chorosa 
Dos órfãos do carinho e da felicidade. 

Recalcando no peito os gritos e os soluços, 
Tu conheceste bem essa longa avenida, 
- Tu que, chorando em vão, te esfalfaste, de bruços, 
Para, infeliz, galgar o Calvário da Vida. 

Teu pé também deixou um sinal neste solo; 
Também por este solo arrastaste o teu manto... 
E, ó Musa, a harpa infeliz que sustinhas ao colo, 
Passou para outras mãos, molhou-se de outro pranto. 

Mas tua alma ficou, livre da desventura, 
Docemente sonhando, as delícias da lua: 
Entre as flores, agora, uma outra flor fulgura, 
Guardando na corola uma lembrança tua... 

O aroma dessa flor, que o teu martírio encerra, 
Se imortalizará, pelas almas disperso: 
- Porque purificou a torpeza da terra 
Quem deixou sobre a terra uma lágrima e um verso. 

Olavo Bilac, in "Poesias"

 

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