POESIA - VIDA E MORTE

A poesia apareceu antes da linguagem

E passou por vulcões, eras de gelo

Pra descrever aquilo que era imagem

A ferida mortal, o sexo, o apelo

A poesia fascinava os passarinhos

Porque a natureza exige nomes

Ela é uma mãe econômica nos carinhos

E no seu ritmo ela fez os homens

A poesia nasceu dos trogloditas

Que, forçando o aparelho fonador

Inventaram as palavras mais bonitas

A pedra, a chuva, a morte e, é claro, o amor

A poesia inventou os seres humanos

Contando histórias na tradição oral

Foi, por centenas de milhares de anos

Uma centelha divina, o maior ritual

A poesia era uma forma de ciranda

Cantada assim, em torno das fogueiras

A fim de esquecer que o mundo comanda

Cheio de feras e coisas passageiras

A poesia foi parida de uma voz

Mas um dia cravou-se em pétreos sinais

Tornando-se distante assim de nós

Surgiu uma casta nova: intelectuais

A poesia já não traz mais o novo

O tempo entediou-se, não é mais o mesmo

E ainda que siga livre o rio do povo

Nada no mundo agora aparece a esmo

A poesia hoje se cala do inédito

Não pode Inaugurar um outro mundo

Perdeu completamente aquele crédito

E o céu desta cidade não é profundo

A poesia agora nada traz

O mundo não quer mais significado

Se o significante, como ouro, jaz

Na mesa, aleatório feito um dado