O Linho
Por nove vezes aguado,
Por nove dias no enxugo,
Por nove luas banhado,
Urdido e branqueado,
Fiado e tecido o linho
Ao homem é apresentado.
Na camisa do recém-nascido
Na roupa limpa de domingo
Guardada para ir à missa
Ao batizado e ao bingo
No vestido da boneca
Na cordinha do pião
Na capa do primeiro livro
Embrulhando velhas fotos
Guardadas com devoção
No enxoval da donzela
No terno branco do noivo
No lencinho da lapela
Ajeitado por mão delicada
Na batina do vigário
Na passadeira engomada
Cobrindo o altar da igreja
Fiado por mãos fidalgas
E também por mãos escravas
Em bordados provençais
No saiote da mucama
Na toalha de banquete
No avental dos serviçais
Nas telas dos grandes pintores
Nos lenços que enxugam lágrimas
Vertidas por perdidos amores
Nos monogramas dos príncipes
E nos lençóis dos amantes
No vestuário sagrado
Nas tendas dos itinerantes
Na túnica do homem santo
No manto do abnegado
Nas múmias embalsamadas
No sudário do crucificado
Na linhaça que alimenta
Na cosmética, na medicina,
Nas redes que embrulham a morte
De uma vida severina
Nas flores azuis que encantam
Nas bainhas, nos relevos
Nos nós, nos vãos e remates
Decorando nossas casas
Apoiando nossos embates
Trançada em fibras,
Cruzada em fios,
Lida nas entrelinhas,
Estampada, entrelaçada,
Em arabescos bordada,
Na vida que temos hoje
E na mais remota antiguidade
Nas linhas do linho está escrita
A história da humanidade
Helenice Priedols