Namorada de duas rodas
Como pode uma bicicleta alguém namorar?
Ambiguidade intencional, resposta via dupla: homem/bicicleta
Simbiose tocante, tocando sempre em frente, nas trilhas da vida
Vivência do equipamento, que ganha vida na vida de quem pedala
É o mistério da matéria inanimada, forjada para um simbolismo
Pode ser a melhor amiga, a namorada, a companheira ideal(izada)
Amar é verbo transitivo, e a bicicleta transita nele pelo ciclista
Um corpo para sempre casto, em rodas, quadro e demais componentes
Mas, quem disse que o amor não pode existir por meio da bicicleta?
Se ela causou, e causa, ciúmes em mulheres que suspiram por um amor assim
Com direito a suor pelo calor do corpo, êxtase nos inerentes movimentos
Quando a realidade é dolorosa demais, sublima-se o psiquismo de escape
Singela e singular terapia, reparadora eficaz, deixa traumas para trás
Girando as rodas, a vida dá voltas, e na volta do pedal, volta-se a si
A bicicleta pode estar empoeirada, cheia de barro e variadas sujidades
Todavia, é pureza, benevolência de prontidão, humilde e sempre disposta
Fiel em si mesma permanece ali, sempre à espera do repetitivo reencontro
E seu ciclista tem a certeza disso, dependendo só dele essa integração
Bicicleta promove a saúde e a Beleza, pela sabedoria do seu significado
O ciclista angustiado pensa: sobre ela sinto que um dia deixarei a vida
Parte-se, assim, para ciclovias etéreas, literalmente como bike anjo
Lá as leis da física inexistem, a experiência física transmutar-se-á
Constituirá o amálgama das fortes lembranças e sentimentos verdadeiros
Se assim ocorrer, uma honrosa saída do palco do fatalístico espetáculo
Não importa a forma de fabricação da bicicleta, sua geometria ou tonalidade
Pois no meu imaginário ela será eterna debutante, sempre vestida de branco
Assim é vista e sentida pelo amante ciclista, pedalando um devaneio surreal
Com ela, o mundo se modifica, o ciclista se transforma, na vertente emocional
Observo seus delineios, com zelo cuido de cada cantinho, efetuo manutenção
Lubrifico, encero e cuidadosamente faço o polimento, regulo, alinho, amo!
Em comunicação com a bicicleta, esgueira-se o normal e o insano, juntamente
Relacionamento sincero, puro, desprovido de artimanhas, mentiras e maldades
Lamentam aquelas que não suplantaram os atrativos da projeção ciclística
Estão perdendo um diferenciado partido, desperdiçando o que é incomparável
Ambivalência expressa nos círculos das rodas giradas e das moedas contadas
Alguém vale pelas virtudes manifestas no trajeto ou pelo que foi possuído?
Tenho na bicicleta a gentil companheira, mecanismo que tanto bem me faz
A bicicleta ganhou meu coração e não aceita que indignamente tentem-no tomar
Mulheres em parte o tiveram, mas algumas por inteiro o perderam...
A plenitude parece não pertencer a este mundo decadente, tenebroso...
Então vivo no mundo da bicicleta, transpondo obstáculos, mirando o horizonte
O tempo se eterniza pela alternância da inércia e do movimento inercial
A gravidade e a atmosfera metamorfoseiam-se em uma realidade mais espiritual
Divagando no pensamento, vagando nas pedaladas, longe se vai, ascende-se
Para trás vão ficando as amarras, as odiosas forças ocultas castradoras
Em subidas e descidas, metaforizam-se as fases da vida, busca-se fôlego
Preciosa doçura de uma bicicleta, que recebe a potência muscular imprimida
Com um vigor fora do comum, proveniente de uma saúde destacada, disciplinada
A bicicleta devolve vento no rosto, carícia que consola, esperança que refrigera
Ao final de um pedal, a bicicleta é guardada, sobretudo, dentro do coração!
Carlos Augusto