autobiografia quase autorizada

o poeta chegou

e jogou a camisa sobre a cadeira

na sala de piso meio empoeirado

imediatamente pensou

que os outros poetas

não fariam como ele

aquelas anotações diárias de despesas,

não classificariam como ele,

depois de pagas,

as contas de luz, gás e telefone

e outras que nem tinham nome

ou as manteriam organizadas

com clipes para pagamento

no dia do vencimento

que os outros poetas

não colecionariam os artigos de jornal

que fossem do seu interesse

pra que procurassem, como ele,

saber o que não diziam

que os outros poetas

não fossem ao mercado

fazer as compras de fim de mês,

que não cometessem juízos de valor

com outro poeta ou algum escritor

ou com a meteorologia talvez

que os outros poetas

vivessem sempre bebendo

ou usando outras drogas,

o que ele evitava,

mas não condenava,

com seu comportamento ascético,

quase espartano,

embora bebesse assim socialmente

que os outros poetas fossem desregrados,

desligados de tudo, desmiolados,

não como ele, sempre comportado,

ciente de tudo e a tudo agarrado,

cartesianamente sempre pensando

foi aí que ele viu e aí foi o quando,

depois de levar a camisa pro armário

e de se lembrar que saíra o salário,

foi que ele concluiu

que não era poeta...

Rio, 20/07/2006