A NOITE EM QUE TIO VIVA PARTIU
Pobre Tio Viva,
como teria sido sua agonia
sozinho dentro da noite
no leito de dor?
Estaria dormindo
um sono tranqüilo
assistido pelos anjos,
ou estaria acordado
resignado
suportando em silêncio
dores lancinantes
ardendo que nem fogo,
das suas chagas
carcinomatosas?
Ah, Tio Viva,
eu daria tudo
para estar com você
naqueles instante
transcendental.
Segurar suas mãos
orar em silêncio
dar-lhe um pouco de força
e dividir comigo
a sua dor
como você fez
com tantos moribundos
amigos ou não
por você confortados
e vestidos
para a viagem final.
Você não merecia, Tio Viva
esse triste fim;
você o artista
dramaturgo e poeta
que animava as festas
da Conceição,
das procissões aos carnavais,
ternos de Reis e pastorinhas
festas juninas, presépios
e a queima de lapinhas.
Tantas peças teatrais,
tantos belos carnavais!
Você, o Zé Fininho
cabra da moléstia
expressão da cultura campônia
tão valorizada
em suas montagens
em palcos improvisados
e no microfone da “Voz da cidade"
de Conceição da Feira.
Como esquecer Tio Viva,
o mundo encantado do seu quarto
cheirando a rosa e a resedá,
onde se misturavam
imagens sacras,
fotos de vovó Neném,
vovô Mascarenhas,
Bidu Saião, Carmem Miranda,
Plínio Salgado
e, sei lá por que, Tio Viva,
do Presidente Kennedy?
Como esquecer, Tio Viva,
seus presentes de Natal
decorados com tanta arte
que fascinavam os meus olhos de menino,
numa época em que não existiam
os atuais “papéis de presente”
sofisticados?
E a sua graça para contar casos,
como aquele de um passeio de trem
quando a tia Cecília, coitada,
esquecera sua “calçola”
deixada pra secar o suor,
pendurada na cerca
do compadre Siriaquim?
Ah Tio Viva de toda pureza,
de toda alegria
de todas as artes,
e de todos os gestos
de solidariedade humana,
como pôde terminar assim?
Oh Santo Antônio,
seu santo devoto,
Nossa Senhora da Conceição,
Menino Jesus do presépio
e Senhor Deus,
por que o abandonastes?