Bicha
Homengem a um amigo que foi agredido em Salvador em um início de carnaval e por coincidência eu passava na hora exata da cena.
Bicha!
O grito veio lá da calçada
o rapaz de andar inseguro parou
depois seguiu lentamente
Bicha!
O grito veio mais forte
mais perto
mais agressivo
O rapaz acelerou os passos
mão pesada sobre o ombro esquerdo
voz de "bofe afetado"
tou falando com você "viado"
tapa no rosto
ninguém ligava
parecia ser normal
A voz dominava a cena
o monstro musculoso
adiantou um soco na boca
o sangue escorreu
o rapaz caiu
o monstro ameaçava chutar
o rapaz protegeu o rosto
chorou antes de receber o golpe
não viu o poeta
não viu a porrada na ponta do queixo
apenas encolhia-se mais e mais
até tirar as mãos do rosto
enxergar a roda humana
o monstro deitado no chão
o poeta perguntava sereno
mais alguém quer bater no rapaz?
Praça da Piedade em Salvador
ficou pequena
de pé
o rapaz agradeceu
abraçou o poeta e ouviu
não chore essa dor
a Bicha agora está deitada
talvez seja bicho
você precisa eleger a poesia da sua vida
cantar
desprezar o medo
reagir
frustrar os agressores
olhar nos olhos
você não deve nada a ninguém
agora siga
nunca mais pare quando ouvir besteiras
Poetas reagem além das palavras!