NAQUELE TEMPO

Naquele tempo...
A vida era simples,
O lugar era simples,
A casa; como era simples!
As pessoas eram simples,
Tudo transcorria numa simplicidade total;
Tudo; menos a minha avó,
Essa, de tão simples,
Ultrapassava os limites da simplicidade.

Naquele tempo...
A minha avó trabalhava como ninguém,
Sofria como ninguém,
Sofria, mas escondia e ninguém percebia,
Pois, escondia muito bem.
Minha avó preocupava-se com os seus,
Preocupava-se com os outros também,
Dividia o pouco que tinha;
Por dez, por vinte, por cem...

Naquele tempo...
Tudo era mais difícil,
Mas, minha avó transformava as dificuldades,
Num maravilhoso festim,
De cá para lá...
De lá para cá...
Com chuva, sem chuva,
Com sol, sem sol,
Se o tempo não pára...
Minha avó não parava...
Para ela não havia tempo ruim,
Lutava contra tudo e contra todos,
Se havia um início tinha que haver um fim,
E não adiantava dizer não,
Para ela o que importava era o sim.

Naquele tempo...
Tempo de minha infância,
Minha avó, não era somente avó;
Era pai, era mãe, era amiga, era irmã,
Era a companhia que não me deixava só,
Era a alvorada de todas as manhãs,
Era o cheiro suave das romãs,
Era o desejo de abrigar todos ao seu redor.

Naquele tempo...
Tempo de insegurança,
Minha avó nunca perdeu a fé,
Trazia com a sua força,
A força que nunca seca;
A força da esperança,
Mesmo nos momentos de fraqueza,
Ela continuava em pé,
Quem mirasse os olhos de minha avó,
Perceberia naquele olhar uma certeza;
Por trás dos montes,
Decerto, existiriam novos horizontes,
E por mais que houvesse abismos,
Deus seria a nossa ponte.

Infelizmente, aquele tempo já se foi...
Vivemos o hoje; o hoje do tempo presente,
O hoje do individualismo, do egoísmo,
O hoje onde o simples perdeu o lugar para o inconseqüente,
Vivemos o hoje; o hoje das dores e do medo,
O hoje do racionalismo e do pessimismo,
O hoje onde existem poucos amigos e muitos segredos,
Vivemos o hoje; e hoje eu estou distante,
Distante daquele tempo,
Distante da simplicidade de minha avó,
Icei asas; cruzei novos horizontes,
E continuo cruzando...
Descobri o que havia por trás dos montes,
E continuo descobrindo...
Mesmo com todos os contratempos dos tempos modernos,
A vida segue...
E eu também vou seguindo...
(O que fica é o amor que sinto por minha avó; esse é eterno),
Eu vou seguindo...
Mesmo sabendo que nada será como antes;
Que nada será como naquele tempo...
... Tempo de inocência e de alegria,
... Tempo que eu era plenamente feliz e não sabia.






"para Dalila; avó e guerreira".