Amor entre tempos

Meu cérebro já não me obedece.

Meu coração muito menos.

Penso comigo: uma situação esdrúxula?

Analisei e ainda o faço há quase dois anos.

Não sinto diferença no meu espírito. Porque sentiria?

Dizem que o espírito não tem idade. Parece verdade.

Não sinto o peso da idade, no meu corpo.

Vejo gente decrépita com vinte anos.

Sinto-me com vinte.

Jovens velhos e velhos jovens.

E ela? O que pensa?

Não posso saber do seu espirito, a não ser nos meus sonhos, como hoje.

Linda, vestida como se fosse à igreja, com seus pais. Sua mãe sorria. Seu pai olhava-me desconfiado. Não os conheço, mas sentia que eles sabiam de mim. Pareciam um pouco tristes. E olhando-me, séria, com aquele jeito que me enlouquece sempre, reclamou de algo que não lembro, me recriminando. E eu, como sempre, simplesmente sorri. Qualquer coisa que ela faça para mim é motivo de sorrir, de alegria.

Acho que ela consegue se encontrar dormindo, e correndo para os meus sonhos, furtivamente, consegue as interações que só as almas podem usufruir.

A ousadia de invadir os meus sonhos, me encanta e atrai. Moleca e matreira, foge de volta para sua cama, a dormir. Eu, por cá, acordo e tento me recobrar.

Ela finge não saber. Não quer ser importante na minha vida, mas é inevitável e independe da nossa vontade. Fui pego por esta força inexorável.

Então, para com isso conviver, transforma a relação em maltratos. Não se dá conta do quanto aumenta a minha paixão. Masoquismo? Não. Escravidão.

Um escravo apaixonado pela sinhá moça que não pode sequer pensar em desejá-lo.

Elos de amor que nenhum poeta consegue explicar. Só sentir.

Transcendental e mortal.

E no seu silêncio sepulcral, ela joga habilmente este jogo para mim mortal, às vezes lancinante, mas prazerosamente gratificante. Agora, até em sonhos.

E, na sua jovialidade tão bela, nessa atitude sutil e singela, enche de gás o meu corpo que não consegue conter este famigerado tempo. E, nessa resiliência de amor, me recobro sempre, renascendo das cinzas, disposto, jovem e aberto para essa paixão. Sedento e feliz. Constante.

Transcende nossos tempos e nossos espaços e penso o caos que seria se também me desejasse, como a desejo, com tanta magnitude.

Não conseguiria mais gerenciar a minh’alma. Sucumbiria certamente, de amor...

10/11