PANDAS (Cativeiro) / A ÁGUIA POUSOU / CARAGUATÁS
PANDAS (CATIVEIRO) I (28 fev 11)
Em branco e negro, enquanto masca a palha
de sua própria cama, ele me olha.
Possivelmente, preferiria folha
e não esse restolho e maravalha...
Porém mastiga o que o momento calha,
na dependência de quem algo lhe colha...
E enquanto com saliva a palha molha,
não vai à academia e nunca malha...
Dizem que os pandas, assim como o koala,
só apreciam um tipo de alimento:
vegetarianos, preferem comer cru...
E assim contempla e seu olhar nos cala,
parecendo transmitir o pensamento
de que prefere folhas de bambu!...
CATIVEIRO II
Ora direis, que infeliz bichinho!
Até seus olhos expressam a tristeza,
assim caídos, mostram, com certeza,
sua solidão e a falta de carinho...
Ele vive enroscado nesse ninho
de palha seca e cheia de aspereza!...
Devolvido devia ser à natureza
e não viver de modo tão mesquinho!
Mas essa gente não tem conhecimento.
Não percebe até que ponto o meio-ambiente
é rigoroso com as pobres criaturas;
e se prende a esse falso sentimento,
sem lembrar da extinção subjacente
à natureza, em todas suas agruras!...
CATIVEIRO III
Se o pobre prisioneiro, como dizem,
fosse em qualquer paisagem libertado,
rapidamente seria capturado
pelos carnívoros que uma presa visem.
Além disso, o próprio solo aonde pisem,
bem depressa, o deixaria contaminado
por uma série de doenças. No passado,
já foi quase à extinção; até de impingem
alguns morreram. Pois mesmo essa doença
que parece tão leve, os seus pulmões
afeta facilmente. E o pelo solto
permite o acesso, tal como se pensa,
às bactérias, que pelo ar revolto,
facilmente reproduzem-se aos milhões.
CATIVEIRO IV
E é por isso que o belo animalzinho
sobrevive bem melhor no cativeiro,
alimentado por atento carcereiro,
trocada sempre a palha de seu ninho.
Pois só na foto é que ele está sozinho:
há muitos outros vivendo no terreiro;
motivo existe, decerto bem certeiro,
para que esteja isolado. É filhotinho,
não consegue proteger-se dos mais fortes,
não tem defesas contra os parasitas:
se sobrevive é porque o cuidam bem.
Outras espécies não tiveram iguais sortes:
só permanecem em pintura ou velhas fitas
e assim os pandas se extinguiriam também.
A ÁGUIA POUSOU I (27 fev 11)
Essa águia acolhida nos seus braços
parece a ponto de pousar, airosa,
sem nada de ameaçador. É prestimosa,
como buscando a paz de tais abraços.
Não traz a fome no rigor dos traços:
encara apenas, altiva e poderosa,
enquanto as garras para o pouso dosa
e a plumagem se apresta para os laços.
É como se, de fato, ela descesse
sobre esse par de mãos que assim a acolhe:
até a sombra de sua cauda é desenhada...
Dedos abertos nessa estranha prece,
nenhum percalço sua descida tolhe,
em arquetípica e pura encruzilhada.
A ÁGUIA POUSOU II
Fico a cismar se a águia está descendo
ou se, ao contrário, a mulher está subindo:
até que grau estão interagindo,
até que ponto se estão comprometendo.
Não sei se estão vibrando e percutindo,
se por magia a águia transcendendo,
se está a mulher seu corpo concedendo,
transmutação para um destino infindo...
Talvez nem haja aqui qualquer pintura,
somente um vezo de puro encantamento,
um toque de varinha de condão...?
Mas ai de mim, que a imaginação tortura!...
Veloz espanto esse ingênuo pensamento
e aceito o gênio de tal realização...
A ÁGUIA POUSOU III
Não me parece ser computação:
há um excesso de cuidado no detalhe,
tudo se encaixa, sem que nada falhe,
nesse grafismo de pura exaltação.
A águia foi pintada em breve talhe,
as mãos ornadas por ampliação,
que a tornaram maior em proporção,
para que as asas com vigor espalhe.
Mas a modelo deve estar deitada,
com os braços bem erguidos, posição
difícil o bastante, um sacrifício
por essa prece à natureza alada,
com que reparte o próprio coração,
nesse bailado de mútuo benefício...
A ÁGUIA POUSOU IV
A que se presta a humana criatura!
Horas sem conta deve ter sofrido,
enquanto a esse pintor é permitido
executar os detalhes da pintura...
Como evitar a muscular tremura
por essa posição! Quase incontido
o cansaço dos braços, só vencido
por grande esforço de singular ternura.
E nada treme... É perfeita a nitidez
dessa foto da águia, em altivez:
veem-se até as leves dobras de sua mão...
E ao contemplar o surpreendente resultado,
meu coração se abre, de encantado,
ante o vigor que mostra a execução!...
CARAGUATÁS I (2008)
em toda essa mortalha
a vida me atrapalha,
em simples dejeção.
queixei-me do trabalho,
a mim mesmo atrapalho,
em pura ingratidão.
o tempo passa lento
e pouco me contento
de novo em me acordar.
o tempo veloz passa
e sua melhor graça
são contas a pagar...
assim, nessa modorra,
a ilusão que morra
e fique a obra feita.
por décadas ainda,
esta ilusão infinda,
em versos escorreita...
sem nunca me esquecer
que busco mais sofrer
para a tornar perfeita.
CARAGUATÁS II
na simples confissão,
demonstro gratidão
a meus caraguatás.
difíceis de transpor,
mas causam pouca dor
essas franquias más.
se encontro outro caminho,
ao lado, sem espinho,
eu vou diretamente
pisar nessa touceira,
para deixar esteira
do meu açodamento.
é porque sei que posso:
não é grande colosso
que esmago sob os pés.
e assim, eles me inspiram:
com breve impulso giram
e tornam a se erguer.
e eu passo com ardor:
o grande vencedor,
a demonstrar poder...
CARAGUATÁS III
pequenos sofrimentos,
em meus leves lamentos
posso manifestar.
e assim, desgasto aos poucos
esses meus carmas loucos,
sem mais ter de enfrentar.
pior seriam rochas,
pior seriam tochas,
porém não sou faquir.
assim, posso prantear
e em versos lamentar,
à espera do porvir.
julgando ingenuamente
que tal vitória ingente
afaste o mau destino.
contudo, atrás de mim,
se lanço o olhar assim,
eu torno a ser cercado.
pois cada pé de espinho,
após o meu caminho,
está já levantado.
CARAGUATÁS IV
por isso, tais vitórias
empanam as minhas glórias,
em gosto pueril.
apenas eu consigo
rodear-me do inimigo,
em meu avanço vil.
porque, afinal, queria,
apenas pretendia
pretexto para versos.
amplio o sofrimento,
na lente do momento
desses poemas tersos.
e a meus próprios olhos,
despidos meus antolhos,
não passo de uma fraude.
descritas nos poemas
as minhas falsas penas,
escondo, na verdade,
as dores mais secretas,
cravadas como setas,
na minha falsidade.