Job

Quem vai passando, sinta

Nojo embora, ali pára. Ao princípio era um só;

Depois dez, vinte, trinta

Mulheres e homens... tudo a contemplar o Job.

Qual fixa boquiaberto;

Qual à distância vê; qual se aproxima altivo,

Para olhar mais de perto

Esse pântano humano, esse monturo vivo.

Grossa turba o rodeia...

E o que mais horroriza é vê-lo a mendigar,

E ninguém ter a idéia

De um só vintém às mãos roídas lhe atirar!

Não! Nem ver que a indigência

Em pasto o muda já de vermes; e lhe impera,

Na imunda florescência

Do corpo, a podridão em plena primavera;

Nem ver sobre ele, em bando,

Os moscardos cruéis de ríspidos ferrões,

Incômodos, cantando

A música feral das decomposições;

Nem ver que, entre os destroços

De seus membros, a Morte, em blasfêmias e pragas,

Descarnando-lhe os ossos,

Os dentes mostra a rir, pelas bocas das chagas;

Nem ver que só o escasso

Roto andrajo, onde a lepra horrível que lhe prui

Mal se encobre, e o pedaço

De telha, com que a raspa, o mísero possui;

Nem do vento às rajadas

Ver-lhe os farrapos vis da roupa flutuante,

Voando—desfraldadas

Bandeiras da miséria imensa e triunfante!

Nem ver... Job agoniza!

Embora; isso não é o que horroriza mais.

—O que mais horroriza

São a falsa piedade, os fementidos ais;

São os consolos fúteis

Da turba que o rodeia, e as palavras fingidas,

Mais baixas, mais inúteis

Do que a língua dos cães, lambendo-lhe as feridas;

Da turba que se, odienta,

Com a pata brutal do seu orgulho vão

Não nos magoa, inventa,

Para nos magoar, a sua compaixão!

Se há, entre a luz e a treva,

Um termo médio, e em tudo há um ponto mediano,

É triste que não deva

Haver isso também no coração humano!

Porque n'alma não há de

Um meio termo haver dessa gente também,

Entre a inveja e a piedade?

Pois tem piedade só, quando inveja não tem!

Raimundo Correia

Conde Diego O Poeta
Enviado por Conde Diego O Poeta em 15/04/2011
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