“Estamos aqui de passagem”
Em lembrança de minha amiga Carmem
Uma guerreira nos deixou
Viver não é fácil mesmo
“Estamos aqui de passagem”, fala um e outro
Deitada e quieta ela estava lá
Cheia de flores em redor
Coloquei minhas mãos obre as suas, estava gelada
Lembrei-me dos momentos bons e ruins
Sua risada aberta e sua vaidade quanto ao cabelo e jeito de sentar
Gostava tanto do que fazia
A despeito de uma intuição fria e vazia
Cuidava da alma das pessoas
Olhei para os lados
Muitas fardas e paisanos
Um silêncio tomou-me por dentro
Vi uma neblina negra do lado esquerdo dos meus olhos
Abracei o seu amado sobrinho, não reconheci a sobrinha, sua face quando jovem
Observei o seu pai, a natureza foi cruel com ele
Ele certamente queria ir antes
Sai para respirar
Mais uma vez me veio a memória de sua força
Em meio a homens duros e mulheres de branco lá estava ela
Lutou por elas e contra ela
Uma doença cínica que a pegou de jeito
Estava bem
Passou um bom ano e iniciou o outro entre os seus
Desejava voltar e concluir sua tese de doutoramento
Saiu ressentida, mas por pouca coisa, a academia não sabe lidar com a finitude
Quanta vida desperdiçamos com coisas efêmeras
Quanta vida desperdiçamos em suspiros vazios
Nossa pequenez diante da imensidade da natureza me causa pavor
Ao mesmo tempo sinto-me consolado
A vaidade é a nossa pior companheira
Canso só de ver um monte de pavão
Não compensa correr e abrir plumagens
Caminhamos necessariamente para a morte
Mas não acho certo a despedida sem aviso
Pegou-me de surpresa
Abateu-me de lado
Senti tonteira e lembrei-me dos meus que já se foram
Ali, em sua última casa, descansava seu corpo frágil
Lentamente chegou a hora
Seguimos como de costume o ritual do a(Deus)
Prestei-lhe uma última homenagem e segurei firme um lado de sua última morada
Também fiz questão de segurar a casa do meu pai e de minha mãe
Devagar a levamos
Repousamos o momento triste sobre a guarda da terra
Homens desconhecidos a abaixaram
Taparam com terra quente e firme
Joguei uma pedra
O sol em pico torrou minha retina e afastei-me, pois já era hora de voltar
A realidade espanca e machuca
Sinto algo sangrar dentro de mim
Um manto de luto caiu sobre o meu espírito
Voltei quieto
Conversei com uma amiga
Uma vida está dentro dela
Uma se vai
Outra chega
A vida é simples assim: “estamos aqui só de passagem”