"Mas que delícia absoluta esse namoro sem palavras, esse romance sem frases, essa história só tecida de olhares." (Nelson Rodrigues) no conto "Perdição", p. 482 

É ILEGAL

O anônimo é óbvio
: não mente
tudo o que é omitido
nunca caminha mansamente
junto ao sol: não é legal
quanto mais medroso
mais o rei estúpido
está despido e exposto

O amor do anônimo 
possuído da burrice
uni_lateral
sem as palavras esperadas
não tem o mínimo toque
cúmplice de outrem
cego 
contem um lirismo pueril
doloroso solitário
e até divino

(A sinceridade não é amiga
do silêncio
- existem compositores anônimos
crimes anônimos & alcoólicos
... e eu, leitor,
um grão de areia no deserto
que sou, registro riscos:
é mais fácil crer na ilusão
do que olhar nos olhos
claros da verdade
...se quem ama quer
uma pessoa só pra si
o amor somente funcionará
se “amo você”  estiver
em mão dupla)

No fundo,
a casa dos amores platônicos
é sempre vazia
não constam
retornos nem ecos
somente letras surdas
cartas mal interpretadas
e consequentemente mortas

Na marginal, segue o curso
dos rios tortuosos...
a alegria alheia,
incomoda
: fantasmas doentes

Todo ato anônimo faz pensar
e toca na depressão
o único anônimo feliz
é aquele que pratica um gesto construtivo
gratuito sem esperar retorno,
seja lá a quem for.

Um anônimo
deixa bem o propósito
de não definir o rastro
da voz do rosto
da identidade
das nuvens que chovem
e não molham...
sendo assim o que
assinala
e não assina embaixo.

Rosangela Aliberti
Atibaia, 10 de julho de 2009.

*

audio: Rita Lee - Erva Venenosa
http://www.youtube.com/watch?v=Dp7XhKBu0lo&feature=related

arte: santavaidadecamiseta