COISAS DE ITAOCA

Declaro-te meu amor (voluptuoso talvez)

Às pedras que inertes permanecem,

Às ruas que estreitas sobrevivem,

Aos velhos que não se deixaram seduzir

Pela claridade luminosa da televisão.

Obrigo-me a amar teu cemitério,

Que por muito tempo tem abrigado amigos;

Obrigo-me também a amar teus barracos de miséria;

Obrigo-me, aliás, a amar teus sonhos de grandeza.

No fim, amo-te sem nenhuma obrigação.

Declaro-te meu amor às pedras

Que calçam tuas ruas,

Às casas históricas que figuram teu semblante,

E que sempre mais rapidamente

Dão lugar aos novos prédios.

Tenho te amado desde a infância;

Tenho te amado desde a rua Medeiros Neto;

Tenho te amado, doce Itaoca,

Tuas pedras e pedregulhos,

Tua religiosidade diversificada,

Teus carnavais nos sãos joões da vida,

Dos cordões que desfilam felizes.

Como tenho te amado, doce terra,

Princesinha da pecuária baiana!

Declaro-me também a teus filhos ilustres,

Muitos que de tuas entranhas têm saído;

Raniere, o goleiro;

Clauduarte Sá, o musicista sonhador,

Zarfeg, o poeta

E tantos outros que à memória não acorrem.

Tenho-me rendido a teus filhos que adotaste,

O poeta trovador Airam Ribeiro;

O desbravador Dolírio Rodrigues;

Teu bem-feitor Simplício Binas.

Em tuas pedras (escrevidas ou não)

Encontra-se guardada nossa História,

Saga de gente que luta.

Cada sola de pé descalço que tocou

O frescor saudável desta terra

Jamais te esquecerá, doce cidade,

Doce amor, doce sabor, quimera

De eterno São João.

A felicidade de teus filhos, meninos ainda,

Que cursam ensino médio no teu Polivalente,

Nos teus Bernardos, Hildéricos, Plínios,

Simplícios e Deolizons...

Jamais te esquecerei, doce Itaoca

As professoras que me deste desde a puerícia.

Lucineides, Graças, Jucicleides, Ednalvas,

E os professores...

Flaures Cácios, Josés, Bode-més,

Tantos outros que do coração esvoaçaram.

Declaro-te meu amor às pedras

Que formam castelo medieval no cemitério,

Às fotos daqueles que fizeram história,

Joões, Marias, Madalenas, Josés...

Declarar-te-ei, ainda que meus sonhos

Levem-me longe, sempre, meu intenso amor por ti,

Por teus abraços festivos na chegada,

Por teus beijos molhados na despedida,

Mas lembrar-te-ei, como não poderia deixar,

Quando, com meninotes na Dois de Julho,

Antes do calçamento, brincava eu

No barro brilhoso de olaria que por lá era abundante.

No bairro Leopoldina Botelho.

Mauricio Novais é professor, escritor e psicanalista.