Retrato do Tempo
À Dª Antónia
Com a pele engelhada é o retrato vivo dos anos que passam
Das histórias que se acumulam em cada ruga que o rosto expressa
Com olhos cansados que não perderam a bondade
Vive solitariamente na casa que o seu sogro construiu
Uma casa humilde e simples ao jeito da Dª Antónia
As paredes grossas do antigamente estão caiadas de branco
As divisões tão pequenas fazem-na parecer uma casa de bonecas
Sózinha com os seus pensamentos vê os dias passarem
E vocês perguntam: “Onde estão os outros? ”
Esses vivem na casa ao lado, mas a velhice é difícil de atender.
O dia a dia é frenético, e aquela a quem chamam de avó Toina vive só
Não fosse a companhia de um eterno jovial o Lilo
É ele que vai fazendo a avó Toina sorrir
Interiormente ela está sempre à espera que ele apareça
Para dois dedos de conversa ou um pouco de gasosa
No sitio da Dª Antónia a vida tem outro ritmo
A valorização é dada a pequenas coisas
E os pequenos gestos têm a dimensão do inalcançável
A sua casa é como um armário do tempo
Tem fotografias de todos os membros da família
Recordações a que se agarra quando a saudade aperta
É uma mulher valente, uma lutadora e destemida
Trabalhou no campo desde sempre e é junto dele que se sente bem
As suas mãos calejadas são fruto da vida suada e de sacrifício
E os seus olhos tão belos são espelho da sua grandiosidade
Neles está reflectida a beleza da Dª Antónia
Se pudessem conhecer a avó Toina sentiriam imediata afeição
Iriam decerto gostar de desbravar o seu passado
Escutar a sua voz taramelada e trapalhona
E sentir o apreço por aqueles que a vêem visitar
“Quando é que voltas?” – pergunta a Dª Antónia
Em breve...mas o breve é sempre tardio para ela
Então quando o carro arranca e o silêncio se instala
Resta o Bomboca um rafeiro de pelo castanho
Que chama pela dona e a faz lembrar que não está só
Vestida de preto e com o seu lenço em bico na cabeça
A Dª Antónia é o símbolo do Portugal rural
E a sua beleza vai para além daquilo que os olhos vêem
A comiseração não se aplica a esta mulher coragem
Ao contrário da maioria ela vive onde sempre quis viver
Tem o que sempre quis ter e aceita aquilo que a vida lhe dá
A avó Toina diminutivo afectuoso pelo qual é tratada
Deve ser um exemplo do que é viver a vida
Mesmo quando as dificuldades surgem
Raramente se ouve uma gargalhada vinda da Dª Antónia
Talvez a vida lhe tenha levado essa jovialidade
Mas deixado o que é nela mais precioso o coração!