FEBRE IMPREVISTA

Para Mick Jagger

Relembram-me:

a lonjura se guarda no teu rosto

com a melancolia própria

dos dias que se dobram,

desde os anos sessenta.

Do que eu sei

é do burburinho alegre

estendido na água do teu olhar;

do teu corpo de mil vôos breves

pelo palco, a se quebrar como rosas d’água

para depois recomeçar;

da tua voz, essa febre imprevista

contraindo as sombras como um sol

a pino.

Não dividiremos qualquer culpa

seja a de guardar só para nós

uns pedaços de céu,

ao fundo de alguma paisagem seqüestrada

pelas máquinas de fotografia,

seja a de trocarmos acusações impróprias

na queima tola dos ciúmes,

ou a de apagarmos prematuramente os dias

entre a lisura silenciosa dos lençóis

perfumados a sol.

Mas nada disso me aporrinha

a não ser a exatidão perversa da ventania

dançando entre as notas da guitarra

e os teus cabelos...

nunca te desalinharei os cabelos

por causa deles os meus dedos se digladiam

inertes

como eu.

Cissa de Oliveira

19.02.05

Cissa de Oliveira
Enviado por Cissa de Oliveira em 19/02/2006
Reeditado em 19/07/2007
Código do texto: T113853