APOLOGIA A CASTRO ALVES

Poeta,

Ao ler seus doces poemas,

Eu vejo atados aos remos

Aqueles negros extremos

Fazendo a nau velejar.

Vejo morto o escravo...

Que tu disseste ser bravo

Arremessado ao mar.

E vejo a magra criança

Que o olhar da mãe sem emperança

Deixa o suor lhe molhar...

E nesta hora do pranto

Fizeste um sublime canto,

E nos levaste até lá.

Outras vezes defronte de um desastre

O fúnebre cortejo registraste...

Fizeste reciclando a dor no abrigo

A jóia que doaste ao negro amigo,

Que o fez eternizar.

Ó mágico poeta,

Quando da raiva a tua lida em arpejo

Gritando à tirania.

Na alma da nação milhões de beijos

Teus sopro aspergia.

Quantas vezes clamando pela vida

A tristeza de uma sorte mal fadada,

Dizias dores, mas voava o insenso

Que inda hoje exalas.

Ines, quem foste sobre o tempo?

Foste o sereno e o vento

Que a fantasia nos fez.

Nos versos que me encantaram,

Foste a divina cigana...

Foste a viçosa tirana

Que Júlio Cesar beijou.

Foste nas mãos do poeta

A tecelã lá de Creta

Que seu marido esperou.

E de Maria os seios

Ainda os vejo em meio

À luz da lua e o véu.

Ela ainda diz: - boa noite.

Eu boa noite repito,

Talvez lançando meu grito

Ao mundo, apenas, que é teu.

Quem não te ve tão sublime

Na voz que arranca do crime

A presa farta de dor?

E quando viras pro lado

Com um condão de palavras

Tudo transformas em amor.

Beber o perfume nas flores...

Velas distantes no mar...

Mulheres entre as cambraias...

O negro, a flor, o luar...

Deixaste ao mundo nos livros

Os versos mais coloridos

Que alguém ousou em deixar.

Foi no esculpir de uma tumba

Que a beleza deslumbras

Do teu estro magistral.

Trocara um beijo no visco...

Depois morreste, sabemos,

Mas, quanto mais nós te lemos

Mais te sentimos com vida.

Vejo nos versos transcritos

Tua alma dardejante.

Nos ramos que os passarinhos

Ali ergueram seus ninhos,

Também deixaste teu pranto.

Tudo se apaga, se extingue,

Mas o que o fogo queimou?

Tem mais flores sobre as cinzas

Que o gênio teu encantou.

São feras mansas no abrigo,

Negros e brancos amigos...

A paz em fim se instalou.

E de um negro calado

Tiraste o ouro e a flor,

Fizeste anjo, o escravo,

Fizeste glória no medo...

E sempre um novo segredo

Nasce ao novo leitor.

No gênio não te comparam

Nem a mímica de Chaplin

Que o mundo inteiro encantou;

Fídias, o grego, no entalhe

Fez Atena murmurar,

Fez Dom Quixote, Cervante,

O céu e o infermo, fez Dante,

Nenhum temeste ao cantar.

E tu, soldado do astro,

Tendo o gênio por condão,

Disseste às flores: -perfume!

E a rocha ouvindo se ergueu.

Do assassinato nas vagas

Fizeste o nauta que indaga:

Será beleza ou terror?

Quem foi Ines ou Maria?

Foram uma tela talvez.

Longe uma voz peregrina

Responde: - Ines é divina,

É flor que nuca morreu.

Fizeste dentro do verso

O mundo inteiro, o universo,

A estátua, a história, a flor;

Foste Romeu no desvelo

Quando de Eugênia, os cabelos,

Com o teu pranto molhou.

Quando te leio, lá no campo agreste

Pareço me encontrar sob um cipreste

Fitando uma caçada...

O perdigueiro, a moita, tudo em volta,

E um perdiz além livre revolta

Voando em debandada.

Teu verso é a gôndola

No mar de Veneza,

É o grito, a dor...

É a arma mais doce

Que alguém já usou.

1985

Geraldo Altoé
Enviado por Geraldo Altoé em 29/07/2008
Reeditado em 04/08/2008
Código do texto: T1102739