VENTANIA ABSTRATA
VENTANIA ABSTRATA
( A Gilberto Salvador)
Cada reta que você traceja de paleta,
enseja a sobreposição de um veio do vento a reverbe-
rar na tela.
Vislumbro a ansiformidade que se materializa
na tela: ansiformidade dos seus manuais gestos,
sempre tão libertos, que erigem justamente
a obra ao sabor da livre forma, á qual uma asa anárquica anela
ao se aperceber completamente tomada pelo magno abraço da
força emanada da magnitude da Óptica poética.
No entanto, reside em cada traço transposto
uma justeza geométrica que faz da anarquia,
entranhada na obra, do mundo uma das mais
insuplantáveis fortalezas, cuja vista, imersa em mar de água cristalina, divinamente enxerga, alcança, voeja, Erra.
Porque cada reta de nuança híbrida, que você delineia ao sal-
picar a tela, é o cimento da sageza que solidifica a poesia da
sua leveza: sim, a diafaneidade de sua natural cinética, pre-
sentificada na asa-tomo em que pincela.
Não, não caio em logro: você é a própria personificação da can-
dura e transgressão contidas na liberdade, que por sua vez trans-
parece na singela beleza do vôo sobre o quadro em que o pro-
jeta.
Mesmo quando não a tangia deliberadamente,
você, ao discernir e expor as chagas abertas pelas gar-
ras da intransigência, buscava afagar a face da dama
da sábia flatulência. Sim, eu falo daquela que por qualquer
coisa lutar se vale a pena. Daquela centelha de ânimo que
se reacende toda vez que se vê um horizonte a lhe abrir os
dentes. Daquele magma a se infundir quando, ao acordar, se
tem a certeza de que viverá mais um dia novamente.
Ah, como queria, como queria
que minhas letras fossem movidas
pela lufada do sortilégio, do lirismo, da ductibilidade,
da têmpera e da sofisticada simplicidade da poesia dos seus
plásticos trabalhos, Ventania.
Sim, sinto o quão é vão meu verbo
Sim, o sei estéril
Mas, então, eu ouço um eco
Um eco que não emana de mim ou de meu léxico débil
Tal eco me faz depreender a grandeza do silêncio
Esse eco não é qualquer eco
Esse eco grassa continuamente no ar
Esse eco é a voz do firmamento
Esse eco é o próprio vento roçagando o tempo
Esse eco é você, ideologia do vento
Esse eco é sua arte, que me invade o corpo e me doma o en-
torno do pensamento, até então, entediado, morto sem sê-lo,
sem senti-lo, nem mesmo sabê-lo, na verdade.
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA