Por onde veleja o amor?

.

Me pediram um poema...

Alguns traços sobre o amor.

Mas minha lira restante numa face torta

Só sabe das entranhas horas

Em que o corpo bebe estrelas,

Em que o gozo saliva em dois as centelhas

Para afundar a noite no amanhecer...

Me disseram que era fácil versejar o amor

Mas não contaram do instante bandido

Em que a alma se perde insone

Em que a dor consome o sonho...

Não me ensinaram a versejar

Com o coração partido.

Deveras, as coisas do amor cabem

Além do fácil gesto de afiar

Credos em pulsações alfabéticas...

Não é velejar em seus navios,

Nem derramar-se inteiro em lábios.

Não! Seguir por essa estrada infindável

Compreende vícios que a lógica

Desconhece no romper do hálito.

Se mesmo assim me pedirem um poema

Que transcenda o âmago

Num verso em que a boca murmure

Esquecida do sal da lágrima

Direi que a minha lira é restante numa face torta

Porque o gosto amargo que a boca saliva

Embala no mesmo tom o encontro

E o desencontro do sonho...

Porque o amor tateia o imponderável

Com as mãos mais incríveis...

Por isso as palavras findam

Enquanto sangram incisivos

Os corpos apaixonados, enfim amados.

(Sirlei Passolongo e Vinícius Motta)