CÉU, DEIXES-ME PEGAR-TE!

Horas adiantadas de uma determinada noite...

Fase noturna de sossego saboroso,

Silêncio primitivo... Ai... Bom dizer isso...

Que gostoso!

Encaro tranquilo o dorminhoco mundo

Dando espaço a que sentimentos

Evoluam livres, absolutos

Tempo solitário este...

Identifico sim o que em mim mais invade, mais Arde...

Gosto, de dar passagem às horas

Neste quieto repouso, pensando que vôo!

Invento que me toma algum elemento sobre-humano

N'um intervalo qualquer, d'um qualquer universo paralelo

Eis, para o instante nada, nada estranho...

Que mesmo sem o recurso de asas

Deliberadamente plano!

Imaginar-me a flutuar! Embora estultice comum, ah! Arrepia...

Pairo ao ar sem recursos de motor, ao longe de socorro...

Incrementado de sons altos... Melodiosas sinfonias!

Elevado, acima dos morros, acima dos homens, para além da vida!

Desobediente à enérgica pretidão que manda a razão

Trazer-me aos limites de um seguro chão...

Qual o que? São vôos de idéias... Asas de sonhos

Levitando estas velhas, cansadas pernas

Como pano de fundo... Abrindo o ferrolho, a primal, original noite!

Vou, que vou em seu rítmo... Empoleirado nos ombros dela!

Movem-se astros... Escorrem das celestes bordas

Quando em vez suas luminescências cadentes, que lambo, como leite!

Subo mais a saciar minhas fomes astrais!

Céu, deixes-me! Quero pegar-te! Tocar cada luzeiro

Jogar-me a este canteiro cor de prata

Geminando em semente

Riscar-me como giz em tuas vestes

Ofertando a ti em sacrifício, meus recônditos desejos...

Conto ao fim destas peripécias com a ligeireza da estrela véspera...

Esta lembrar-me-á das cintilantes aventuras da madrugada

Por seu próprio luzir em meio à diuturna clareza da manhã desvelada...

Posto que só devaneio seja, pairo ainda, não em corpo

Mas na sombria imensidão que as altas horas

Desta noite trazem à minha doce, louca, singela, e pobre imaginação...

Aí está esta boba viagem... Repetida nas mãos de vários

Porém, por mim também realizada

Pois, muito mais do que aqui relatada

Ficaram grafadas nas folhas da alma

Em choros de alegria, em giz prateado, em leves marcas d'água...