Largando amarras
Parto largando amarras
quebrando a maré dos dias
e apenas guardando das vigílias nocturnas
a pálida cor de auroras mitológicas.
Onde estará Veneza a esta hora?
E que passos vaguearão pelas ruelas de Paris?
Que tesouros se esconderão nas afundadas arcas?
Que canto de sereia se ouvirá nas conchas nacaradas?
Parto levando o Sol acariciante
e o vento quente que me envolve e me beija
nas manhãs douradas do Suão.
Quem cantará a Pampa neste momento?
Que vozes se ouvirão no cais do Tejo?
Parto erguendo estátuas por onde passo,
toscos mármores que o Tempo polirá.
Alguém virá um dia
acariciar um seio ou uma coxa de pedra
neles adivinhando meu coração aberto e quente.
Parto cantando as estações de Vivaldi
e a Amizade muita e o Amor também.
Que tocarão as orquestras em Viena?
Que almas gemerão no Coliseu?
Que olhos se erguerão no céu londrino?
Parto fechando o livro das ausências,
saboreando versos quais orgasmos de alma,
as palavras repetidas do meu canto!
Quem se lembrará de mim olhando a estrela?
Onde estarei eu nesse doce instante?...