A ÚLTIMA SOBRE NÓS

A Última Sobre Nós

É uma manhã chuvosa e solitária;

eu olho pela janela do trabalho

e - de tão escuro - parece ainda que nem é dia.

Nessas horas eu me lembro do quanto te desejei.

Os telhados molhados, as frases feitas de amor,

o desconhecido, as luzes distantes;

evito clichês, repetições, casos vãos e vazios,

promessas nunca cumpridas e fugas impossíveis.

Sei muito bem do que não sou capaz.

Dessa atmosfera saudosista, surge seu rosto

em alguma nuvem do passado.

Quando, enfim, te vi endiabrada

pelo reflexo simplificado

de situações menos complicadas

ao longo dos anos que passariam

sem você, ou a mera expectativa,

bastando você; mas não era,

e mesmo precisei que não fosse.

Tá garantida nossa dívida.

E minha poesia já não leva seu nome,

sua música não toca na rádio,

o teatro sem público,

a publicidade sem produto,

e nossos filmes estão anacrônicos.

Nós morremos numa manhã chuvosa

como essa, numa tarde...

E noutra tarde nós morremos,

mas é de dor barata, infantil,

sem profundidade, sem adequação.

Não tive filho. Seu filho não é meu filho.

Suas linhas não me conduzem,

não me induzem a nada, nem ao erro,

porque as falhas são também filhas da solidão

de uma manhã chuvosa como essa.

Então me explica o diafragma

que controla toda sua lástima,

já que me abstenho.

Sem mais mentiras,

doces mentiras,

sem mais.

Elmer Giuliano
Enviado por Elmer Giuliano em 14/03/2008
Código do texto: T900302
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.