UMA CARTINHA DA ILHA PARA UM AMOR DE FORA

não posso cumprir

o que te prometi

meu amor

eu confesso

de tantas coisas

alembradas:

na ilha não existem planícies verdes

nem prados a perder de vista

e temo-nos de contentar com o mar

e os seus abismos de escuridão profunda

com uns penhascos de gaivotas

e um colchão de penas antigas

para nos aconchegarmos à noitinha

e trocarmos os beijos

de há séculos combinados

aquecidos com um luar de sal

e rimas de cantigas

não posso cumprir as cavalgadas

por pradarias extensas

de olhar perdido

por horizontes inalcançáveis

onde viajam comboios fumegantes

nem por visões magníficas

de continentais destinos

não posso cumprir

por aqui há os vulcânicos rochedos

as grutas escavadas nos socalcos da lava

a terra separada por muros de pedra

e os frutos maduros do sol de inverno

umas ribanceiras fugindo para o calhau

umas fajãs de águas mansas

e uns casebres com saudades do colmo

e algumas almas presas às encostas

despojadas das velhas ambições

do desejo de partir

não posso cumprir-te nada

meu amor

do que porventura

te tenha prometido

apenas o silêncio de uma aventura

por vales e desfiladeiros

e um bem-querer desmedido

desenhado

na bruma de um sonho

de que não se sabe acordar

e para além do que não conheças

uma ânsia crescente de ficar

no coração do vinhedo

do casario banhado pelo crepúsculo

bordado em toalhas brancas

com as linhas azuis do oceano

e a espuma

das ondas inquietas

por isso te escrevi esta cartinha

para que não fiques triste

nem me esqueças

se não apreciares um dia

o viver

no paraíso dos poetas

e envio-ta

nas asas dos milhafres

agasalhados nas desertas

para que não

se perca

(inédito.28.08.04)

JAG
Enviado por JAG em 23/12/2005
Código do texto: T89818