O DESPERTAR DO MESTRE - II

O velho mordomo está receoso.

Teme que, acordando o Mestre,

Ele venha a aborrecer-se...

Mas já não suporta a insistência

Da Inspiração visiteira,

Que teima em mandar chamá-lo.

Apenas seus próprios passos ecoam

Pelas paredes da mansão abandonada,

Quando, vagarosamente, sobe as escadas.

_ Quem sabe, assim - pensa o mordomo amigo-

O Mestre saia, ao menos uma vez, daquele quarto

E transite, como antes, por essa casa solitária!

Entra, em silêncio, no aposento escuro

E, abrindo as cortinas, olha o leito,

Onde descansa o Mestre.

Este, desperta, piscando os pálpebras,

Procura enxergar o intruso

Que interrompeu seu repouso.

O fiel companheiro, então, se aproxima

E, com voz mansa, doce e compreensiva,

tenta, esperançoso, convencer ao Mestre

A levantar-se daquele leito

E rerceber a visita,

Que ansiosa, o espera.

_ Vista-se Mestre. A Inspiração chegou.

Insiste em vê-lo e, muito aflita, implora

Por tua mão bendita a abençoá-la.

Ela está à porta, manda chamar-te;

E eu, constatando, então, que está chorosa,

Não pude deixar de acordar-te.

_ Fecha outra vez as cortinas, meu fiel amigo.

Ferem-me os olhos estes raios solares!

Há tempos, meus dias tranformaran-se em noites;

Há anos minha mão já não abençoa!

Meu bom companheiro, volta lá e diga

Que não me encontro, ou coisa parecida.

_ Levanta-te, Mestre, atende a tua amiga!

Há dias regressa numa agonia tão grande,

Que chega a provocar-me piedade...

E, se me permite dar-te uma sugestão,

Não há de custar-te tanto assim,

Depois de atendê-la, sentar-te um pouco ao jardim!

_ Amiga!... Sim, já foi-me tão amiga

E facinou-me tanto com seu canto,

Que dediquei-lhe todos os meus anos,

Sem dar-me conta da Velhice...

Porém, esta sim, foi-me ainda mais amiga

E, assim, mais válida, não me causando pranto!

Deixei-me levar por quem me espera e revelei-me tanto,

Que acabei por perder o encanto

E hoje permaneço às escondidas.

Por favor, traga-me água, estou com sede...

O meu remédio, estou tremendo,

E traga, também, a pena e o tinteiro.

Caso minha mão ainda consiga

Passar à Inspiração, por entre linhas,

A resposta que não quer dar-lhe,

Direi a ela que não volte mais,

Que se tranque, como eu, entre suspiros e ais...

Que mais vale a pena esperar o fim.

" _ As rimas , cara amiga, foram esquecidas.

Os sentimentos, desvalorizados.

Se tentei falar do seu canto, fui ignorado

Por toda a ingratidão dos que me rodeavam.

Não me procures mais, tenha piedade,

Pois aqui jaz, velho e cansado,

Um guerreiro vencido e capturado. "

Passando às mãos do amigo, a mensagem,

O mestre voltou ao seu leito

E antes que a porta do quarto, fosse outra vez fechada,

Com as "mãos sobre o peito" o Mestre já dormia.

Seu companheiro, então, com os olhos marejados

Desceu, ao encontro dela, a fada,

Que próxima à escrivaninha da sala, esperava.

Passou-lhe às mãos o envelope amarelado.

Seu semblante era tão triste, ao entregá-lo,

Que ela já tremia, ao abri-lo.

Ao ler seu conteúdo, chorou, convulsivamente,

Apoiando-se na escrivaninha, que à sua frente,

Estava completa às suas necessidades.

Em alguns minutos, já mais calma, deixou-lhe a resposta:

_ Teu mordomo... o papel...

Tu... a pena...

Eu... a tinta...

Quisera Deus, nós tres não dependêssemos tanto,

De um único ser apenas!

Porém, não te iluda comigo,

Sou persistente, meu companheiro.

E saiba que só existe no mundo, a tua escrivaninha,

Onde repousa, eternamente, inesgotavelmente,

Onde reina e reside, pacientemente,

O único destino imortal... O tinteiro!...

E assim ela se foi, deixando a porta aberta,

Pedindo, antes, que entregasse ao mestre,

A sua clara mensagem.

Ele, então, ao dirigir-se outra vez às escadas,

Notou, sobre a escivaninha, quando cruzava a sala,

Um belo par de luvas brancas, acetinadas e perfumadas!

*****

* Penúltimo capítulo *