Mirante do Vale
Eu estava lá, no mirante do vale,
Com a cidade aos pés, um caixote de luzes baratas.
Não era um santo, nem um profeta,
Só um pecador com os sapatos cheios de lama,
Que tropeçou no abismo e caiu de boca.
A chuva caía, devagar, como quem não quer nada,
Molhando o asfalto, os telhados,
E os segredos que a noite escondia.
Cada gota, uma lágrima do céu,
Chorando por nós, que já não tínhamos tempo para chorar.
As luzes da cidade piscavam,
Como velhos letreiros de um cabaré decadente.
Lá fora, o mundo girava,
Um carrossel de desesperos e desejos.
Nós, porém, éramos o centro do nada,
Dois loucos sambando bossa nova no meio do furacão.
O tempo era um relógio de pulso falsificado,
Marcando horas que não existiam.
A diária do apartamento corria,
E o fim chegava mais rápido que um táxi na madrugada.
Mas ali, naquele instante,
Éramos donos do mundo, mesmo que o mundo não soubesse.
A chuva insistia, teimosa,
Como se soubesse que nosso amor
Era feito de cigarros apagados e copos vazios.
Um olhar, um suspiro,
E o silêncio que só os amantes conhecem.
Quando o dia raiar,
Levarei contigo a memória do mirante.
Onde, por um instante,
A chuva cantou por nós,
E o mundo parou para que nos perdessemos.