Dois cantos àquela
I
Mal assomava ao longe a aurora quando
Te disse ao choro: “É tempo de mudança!”
E desde aquele dia estás mudando.
E desde aquele dia a mim me cansa
Te ouvir ao choro: “Sou assim, assim!”
Mal cerrava os lábios, eu ia: “Amansa…”
“...Amansa, porque eu te amo assim, assim.”
Tu calmavas, e então eu te pedia:
“Pois errei, errei! Que queres de mim?”
Negaceado há muito, achei que ouviria:
“Nada, meu bem; eu, se erro também!”
Ai de mim! Senão ai de quem me via!
Ai de mim! Que o peito atendeu porém:
“De ti que te escuses! Ou és santo?”
Injuriado há muito, que mais convém?
Depois de mil lágrimas, seca o pranto…
Declinei: “Pois errei, errei! Se insiste,
Hei de mudar!” E era o mesmo, no entanto.
II
E conversando, à noite surda e triste,
Comigo a Lua; contei-lhe sem freio
Que a mim me pergunto se Deus existe!
Entre o sim e o não, dançou sem receio
Dizendo: “Se há coisa de maior posto,
Sabe o coração de olhos alheio…”
“Sonda o peito, que qualquer juízo imposto
Rechaça, e demanda: quem lhe tem guiado?”
– É ela! Ah! Se isto é amar, que desgosto…
Que engulho de amar tem o ser amado!
E não se furta ao amor se lhe revela
Mesmo uma mulher cheia de pecado.
E que riso! E que esgar! E Que bela!
De erro em erro ao inferno de Deus descendo,
Um ao outro imolando, vamos, eu e ela!...
Um ao outro fugindo, e em vão nos querendo!”
18 de Dezembro de 2024.
- - -
O poema compõe-se dois cantos, com tercetos decassílabos em "terza rima".