Eu ainda te escrevo
eu ainda te escrevo.
escrevo poemas tristes de amor,
escrevo cartas de saudade,
mas só quando a dor
se torna maior em quantidade.
escrevo no seu contato,
mas depois apago, é claro;
sou louco, mas reconheço o ato
de loucura que declaro.
te escrevo porque insisto,
mesmo sabendo do desgosto.
é que o amor, quando não visto,
se faz tinta e vira rosto.
e, entre o riso e o desespero,
te escrevo porque ainda espero.
eu ainda te escrevo,
mesmo sabendo que o eco é surdo,
mesmo sabendo que o verso é mudo,
mesmo sabendo que o tempo é turvo.
escrevo, e apago,
como quem tenta lavar um aspargo
com água de lágrima e sal amargo;
escrevo por não ter mais embargo.
escrevo porque o silêncio me cala,
porque a memória me fala,
porque esquecer me estraçalha.
te escrevo porque o vazio
é vasto demais pra guardar,
e o que sobra desse desvario
vira palavra a te buscar.
eu ainda te escrevo,
mas com muito critério:
meu amor não é leve,
é um fardo itinerário.
eu digito confissões,
faço juras no teclado,
mas o envio se rende
ao botão de "rascunhado."
me vejo um poeta moderno,
só que com wi-fi instável,
e cada verso que eu deleto
vira backup irrecuperável.
mas nunca envio;
prefiro o papel ao abismo,
prefiro ser meu próprio sismo
do que ver no teu rosto o desvio.
escrevo bilhetes mentais,
ensaios inteiros de "te esquecer,"
mas sou roteirista de finais banais:
escrevo e volto a te querer.
escrevo, apago, reescrevo, envio,
e depois torço pra você não abrir.
sou poeta de um amor tardio,
mas também mestre em me iludir.
eu te escrevo
porque ainda te amo,
e isto basta.