JÁ É NOVEMBRO
Puxei o pano, cobertura da escultura.
E desnudei a imagem me provocando
desde a primeira hora.
Era maio. Agora já é fim do ano.
E não eras mármore ou bronze.
Vigorava carne, alma, pele, nervos.
Resíduos da maré na praia:
Uns vão. Outros se calcificam.
Existe o vento varrendo memórias.
Transcorre o tempo imprevisto.
O prazo escorre.
O amor
não tem calendário,
hora de maré vazante.
Lava-se a realidade dissolvendo
os sais do tempo.
O que foi, foi-se!
Segue-se adiante: a realidade escreve
destruindo pretéritos.
No presente, minha alma é outra.
Rasgo as folhas do tempo.
Da caixa de guardados.
Descarte-se o inservível!
Os meus ossos são ossos novos.
A minha pele nova é nova pele.
Os meus nervos são inéditos.
Estão polidos, lustrosos.
Tudo é novo desde maio.
Horas e dias por viver.
Consumando-se no decorrer.
Se isso se passa, amo-te
como posso a cada manhã.
Uma enchente de maré.
O Eu limpo, removidos os limos.
Os dias enxaguados.
O secreto que me ama.
Festejo: bebo teu vinho noturno.
Taças sem o amargo do tempo
(Pretérito não meu).
Desejo o teu novo; o teu istmo,
O promontório mais feminino.
Entorna o teu íntimo na minha boca.
Beberei as taças necessárias
com sofreguidão na maré lançante
levando para as profundezas do mar
o pano que cobria tua escultura.
E já é novembro, quase fim do ano.