O ator que te amou
Estive me perguntando,
Nesses dias permeados de solidão e tédio,
Se, em minhas aventuras amorosas,
Não teria eu mais interpretado o papel
De teu homem,
Do que sido eu mesmo
Teu homem.
Me pergunto se o que te disse,
Rayane,
Foram coisas que pensei com franqueza,
boas ou más convicções,
Mas minhas, de fato,
Ou se foram apenas palavras lançadas vazias e cuidadosamente -
Na afinação da voz,
Na lentidão do discurso,
No olhar -
No ar,
Apenas para te fazer baixar
A guarda,
E a calcinha.
Palavras sem ideias,
e ideias sem convicção,
Tudo para te tocar
Lá dentro,
No coração;
Esse mesmo que te cega
Pulsante,
tola amante,
E não te mostrava que eu não era,
Nem por um instante,
quem dizia ser.
Estive me perguntando,
Neste mesmo leito
em que outrora te despia,
sobre a honestidade de meus discursos políticos,
De minhas filosofias,
Ante tua presença,
Sofia,
Toda envolta em admiração,
Encantada,
A me ouvir entoar Marx,
Kant,
Foucault
Ou Platão,
Sempre adaptando meu discurso,
quase poético,
aos teus desejos,
Às tuas preferências
Ideológicas,
Mesmo que, no fundo,
Não tivessem lógica,
Como que a moldar o mundo ao teu formato,
Querendo,
Sempre,
Alcançar teu coração,
E o meu orgasmo.
Este homem,
que te cobriu de palavras,
Para depois cobrir de beijos,
Era mesmo eu?
Este homem
Que te ludibriou
Com tão ínfimas ferramentas
Verbais,
Para tirar-te as mais íntimas vestimentas
Carnais,
Teria sido,
De fato,
Eu?
Penso, envergonhado,
Que contigo fui mais ator
Que amante;
Penso, arrependido,
Que me obcequei por lhe dar o homem que tu mais queria,
Que tu mais desejava,
E esqueci de te dar o homem que eu realmente era
E não mostrava.
…
Em defesa de meu ator,
Digo, contudo, meu amor,
Que nunca,
Como a maioria das mulheres,
Te preocupastes em, genuinamente,
me conhecer;
Se conversávamos, a conversa era você,
Seu mundo,
Seus pensamentos,
Seu corpo,
Sua alma!
A mim ficavam reservadas sempre as boas perguntas,
Que de fato eram boas,
Embora nem sempre fossem boas tuas respostas;
Os diálogos contigo eram monólogos;
Teu ego imenso
como uma nuvem imensamente carregada,
Nublava a imagem que se pudesse haver
De qualquer outra pessoa à volta,
Mesmo que essa pessoa brilhasse como o sol.
Eu, por trás do ator,
Pensava
Que fosse melhor deixá-lo conquistar você,
Ao modo dele,
Espelhando teu comportamento,
Afirmando tuas certezas,
Ouvindo-te atentamente, e sem julgar,
E me conformar em ter um pouco do prazer que ele mais tarde teria.
No final,
pude te conhecer, por meio dele,
Mas você, nunca pôde a mim,
Porquanto incapaz de ir além daquela vã vaidade
que meu ator em ti alimentava;
Porquanto mergulhada
no próprio ego,
E só via nos outros os reflexos de si
E mais nada.
28 de outubro de 2024, Natal/RN