Pai
Tenho motivos para perdoá-lo?
Depois de adulto quis praticar a clemência.
Mas será que tenho motivos
Para perdoá-lo?
Tuas palavras,
quando eu contava 11 anos,
Não eram das mais gentis,
Das mais brandas,
Complacentes
Ou feliz;
Apesar dos raros xingamentos,
Teus comandos, todavia,
Eram imperiosos,
Não consideravam nada além de tua vontade,
Ou vaidade,
Que sobrepunha a minha.
O olhar julgador,
Pronto para franzir as sobrancelhas
A qualquer gesto de fala meu
- Sempre incompreensível para ti -
O que, naturalmente,
Me paralisava,
Me deixava, de certo modo,
Mudo,
Em tua presença sobretudo,
Mas não só,
Me condicionou o espírito de tal modo,
Que vasculhava em minha cabeça,
Dentre todas as palavras, a melhor,
Apenas para te dizer.
Me tornei, aos poucos,
Comedido na fala,
Falando só quando o senhor me questionava algo,
O que,
obviamente,
era sempre interpretado,
Por mim,
Como um comando que eu
inevitavelmente
deveria responder.
Com o tempo,
Me vi mais na presença de um tirano
Que de um pai.
Já estava eu, aos 11,
Preparado para o quartel,
Antes mesmo de fazer 18.
O meu caráter,
pouco a pouco
sendo moldado por tua influência,
Que apesar da aversão que me provocava em sua maior parte,
Me despertava, também,
Certa admiração em outras,
Foi-se moldando com base naquilo que,
Em ti,
Tinha correspondência em mim,
Como, por exemplo,
Teu amor (e ódio) pelas mulheres,
Teu carinho pelos animais
E teu tato com os homens.
Assimilei parte do senhor
de tal modo tão bem
Que hoje, quando nos sentamos juntos na calçada,
Me perguntas porque falo pouco,
Ou não falo nada,
De certo não reconhecendo o êxito que teve tua educação em mim,
O êxito de uma educação amordaçadora,
Que me forçou, tão cedo,
A me sentir livre para falar tão somente em folhas de papel,
Que diferentes do senhor,
Não me cortavam a fala,
Nem causavam temor.
Hoje, não mais sob teu controle,
Me questiono: tenho motivos para perdoá-lo?
Será que tu, meu pai, cuja educação,
Como várias vezes me contara,
Um misto de surras e brutalidade,
Medo e necessidade,
Recebeu algo de diferente
Daquilo que me passou
tão diligentemente?
É difícil crer que sim,
Por isso, sim,
Tenho motivos para perdoá-lo,
Pois fostes o pai que poderia ter sido,
Não o que eu, inocente, queria ter tido.