ESTRO

A noite lança-se profunda

E eu atiro-me em pensamentos,

Numa hemorragia de reflexões;

Mas em tudo que me habita,

Tu estás presente.

A lâmpada do quarto escurece minha vista

E passo a ver o que me interessa, somente;

As coisas que são bem-vindas a mente,

E faço-te surgir pela cortina da porta.

No meu querer e tu caminhas,

Com pés de asas,

E flutuas pela minha imaginação.

E vejo-te na sacada das casas,

Ou entregue a esmo no portão.

Conversas com o amigo do lado,

Sorris...

E quanta beleza nesse teu branco sorriso!

Que basta um segundo

E das trevas da solidão liberto-me

Para mergulhar no paraíso rubro do desejo.

E fico roubando da tua boca um beijo,

Nos momentos em que teus lábios uma palavra articula.

E os teus olhos de uma alegria contagiante,

Constante,

De escoar minha tristeza que é mar.

E na harmonia desses traços, o teu rosto

Faz a lua cheia, abatida, minguar.

E continua pelos teus longos cabelos,

E pelos,

Como que uma sereia morena.

Quem dera de carícias envolvê-los,

Quem dera de carícias,

Quem dera...

No teu corpo o significado do prazer

Nas curvas que a Natureza lhe fez,

Moça;

Na sensualidade que lhe brota na tez,

Mulher.

E assim, tu desfilas na minha fantasia

Pelas praias, pelas ruas e avenidas;

Sentas a um bar, na fila do cinema ou numa sorveteria;

Ou de braços abertos a me aguardar, que ironia!

E a essa altura já é coma, a hemorragia,

Que se esvai pelo desejo, pela utopia,

Pelo frágil sonho de vir a ter-te um dia.