Pertencimento

O ser humano sempre busca pertencer. Quando nascemos, o certo é que pertencemos a nossos pais, por uma questão de sobrevivência, por uma questão de humanidade em sua forma mais basal. Depois passamos a pertencer a uma sala de aula, a uma comunidade, a um grupo social que chamamos de amigos... E se tivermos sorte passamos a nos pertencer,a encontrar em si o caminho e abrigo que precisamos. Só que mesmo assim, mesmo quando temos a nós mesmos, o sentimento de querer pertencer não cessa. Queremos sempre pertencer ao lado dos outros. E quando amamos alguém essa vontade de pertencer aumenta, duplica, triplica, fica maior que a gente e nesse estágio pertencer a si próprio não parece sustentar todo esse sentir. E quando não conseguimos de fato pertencer ao lado dessa pessoa, o mundo muda de cor, os outros pertencimentos que cultivamos ao longo da vida se tornam vazios e uma falta começa a crescer em nosso peito. Como a ausência de algo que nunca tivemos consegue carregar em si tanta saudade? Por que uma pessoa aleatória que eu resolvi amar em algum momento da minha vida consegue tirar de mim a tranquilidade de estar só? Consegue tirar o conforto de me sentir completa em mim mesma? Como me permito sentir tudo em sua plenitude se o medo de perder a eu mesma na busca pelo outro me ronda e carrega certa razão? Como me abrir ao novo quando o passado foi embora carregando pedaços de mim consigo? Como não temer o amor quando todos a quem amei não souberam me pertencer?

Nessa busca pelo pertencimento, me perdi de mim diversas vezes. Me encontrar nesses momentos não é uma tarefa fácil, demora tempo, demoram noites de sono, demora meu olhar sempre perdido na imaginação do que poderia ter sido, demoram textos escritos e gritos calados, demora reconstrução da autoestima e, principalmente, da esperança, demora o reacender das delícias da minha individualidade, demora o equilíbrio entre a recuperação e os afazeres do dia-a-dia que não podem ficar para depois. Demora uma reconstrução inteira de significados e o desatribuir de associações que passamos a fazer de forma automática. Demora o pegar no seu telefone rindo para falar com a outra pessoa sobre uma coisa boba do seu dia e lembrar nesse instante que vocês não estão mais compartilhando amenidades. Demora todos os apertos no peito que a saudade causa, que a memória induz e que o pensamento insiste em reviver.

E mesmo com todos os efeitos colaterais vividos, quando volto a me pertencer plenamente, a pergunta que faço logo em seguida é: quando que vou pertencer a alguém e ficar bem?